terça-feira, 13 de maio de 2014

Entre o afeto e a política nas eleições do Sinjor-PA

O texto a seguir foi publicado originalmente no site da Chapa #Soumaissinjor que concorre à direção do Sindicato dos Jornalistas do Estado do Pará (Sinjor-PA). Ele pode ser lido no original AQUI.

Integrantes da Sou Mais Sinjor, que integro. Foto: Tarso Sarraf

Meu amigo Anderson Araújo escreveu um texto muito ponderado sobre as eleições do Sinjor-PA que estão em curso. Ele declarou neutralidade (você pode ver o texto aqui). E, veja bem, eu não comecei esse texto dizendo que o jornalista Anderson Araújo é meu amigo para tentar colar nele a figura da chapa 01 “Sou Mais Sinjor”, que integro. Esse começo “afetuoso” tem um motivo e vou explicar. Antes, porém, quero lembrar que temos (nós, jornalistas paraenses) um colega colunista que sempre começa seus textos dizendo que esteve na casa de um ou mais amigos, ou que compartilhou com eles uma opinião sobre determinado assunto, antes de falar sobre o tema de sua coluna. Penso que isso tem a ver com a necessidade afetiva que transborda nas redes sociais e fora delas. Falo e começo meu texto com esse recurso para observar um dos pontos frisados, de maneira franca, mas sutil, no artigo do Anderson. Trata-se exatamente da questão afetiva.

O grande professor Muniz Sodré tem uma aula registrada e postada no Youtube muito boa sobre o tema da diversidade cultural, que está em voga também nessas eleições, e também de maneira quase subliminar, a partir do slogan adotado pela chapa 2 (Sindicato é pra lutar). “Somos plurais, somos chapa 2”, diz o texto. Ele brinca com o número da chapa e com a diversidade cultural dos membros da mesma. Trata-se obviamente de um recurso discursivo muito bem bolado, ainda que eu duvide de sua eficiência publicitária.

Pois bem, vocês podem acessar a magnífica aula de Muniz Sodré neste link. Mas posso resumir a questão dizendo que Sodré observa que a diferença, motivo intrínseco da diversidade, está dada entre os homens. Ela não precisa ser “reconhecida”, no sentido de que precise ser observada, anunciada. A diferença entre os homens e mulheres esta dada, sempre existiu. Os espécimes humanos (não se trata de uma questão de gênero) são diferentes. São diferentes mesmo entre etnias comuns, mesmo entre povos diferentes, entre classes, entre gênero, enfim. Imaginem vocês, então, entre uma categoria tão plural quanto a dos jornalistas.

Digo isso de antemão para derrubar o pensamento que, por oposição, chegasse à conclusão falaciosa de que a chapa 01 “Sou mais Sinjor” não seria plural ou tão diversa quanto a chapa 02 (Sindicato é pra lutar). A diferença está dada, como ressalta Muniz Sodré. Ou, como diria aquela canção da banda paraense Norman Bates, em que toquei por 15 anos, “A diferença soma, a diferença é nós, a diferença é voz.”

Sodré ressalta que a diferença não precisa de reconhecimento, e critica os estudiosos culturalistas pelo reconhecimento distante das diferenças. Um eruditismo inócuo, segundo ele. A diferença precisa ser aceita. E aceitar a diferença evidencia a necessidade de exercitar o afeto, pois é o afeto que permite se misturar ao diferente. Então, chegamos a mais uma questão. A questão principal eu diria.

Anderson assim como eu, certamente,  tem muitos amigos tanto na chapa 01 quanto na chapa 02. E, além de estar distante, preferiu não manifestar apoio a uma ou outra chapa porque isso provocaria o afeto dos amigos, e dos “não-amigos”, que não somos também unanimidade. Coisas da sociedade das redes sociais, tão carente de afetos.

Uma coisa não tão clara na palestra de Muniz Sodré, mas que fica mais evidente, por exemplo, em trabalhos como o do sociólogo francês Michel Maffesoli, é que o afeto não implica simplesmente em uma relação de harmonia, de amor, de amizade ou de qualquer conceito que defina uma condição pacífica, sem conflitos. Diria um psicólogo amigo meu (outro amigo, vejam como sou querido!), que o afeto é aquilo que te “afeta”. Algo que te afeta pode promover sensações incríveis de bem-estar, mas também pode provocar extremo desconforto, e condições de grande conflito. Se o ser humano é diferente por natureza e se já tem tantos conflitos internos, dele com ele mesmo, imaginem se não teria conflitos entre comuns. Fossem amigos ou inimigos. Aquela música “Entre tapas e beijos” traduz bem o que é uma condição de afeto. Principalmente um afeto corrosivo, complexo e transtornado.

Aquém (ou além) da questão afetiva, que se manifesta de forma evidente no texto de Anderson quando ele se refere, por exemplo, a certa “animosidade intrínseca” do início do debate entre as chapas, está uma questão política. Ao ponderar que apesar dos afetos (e apesar do mea culpa que Anderson faz pela sua omissão como delegado sindical), ele espera “organização” e “ganhos políticos” para a categoria, de qualquer que seja a chapa vencedora, Anderson expõe a necessidade de uma prática política elevada, altruísta, uma prática que os instintos afetivos parecem obscurecer nessa campanha. A política, como sabemos, é a arte da convivência entre os diferentes. A política é reflexão prática. E penso (e agora sou eu quem está dizendo) que essa obscuridade política fica evidente nos ataques sistemáticos com que a chapa 2, oposição a atual diretoria do Sinjor-PA, iniciou sua campanha. Enquanto reviso este artigo eles insistem em atacar diretores do Sindicato. Tristemente.

Um bom observador nota o que EU, eu mesmo, estou dizendo. Um grupo de valores inquestionáveis como é a chapa de oposição à atual diretoria do Sinjor, que, por sua vez, teve obviamente seus defeitos (e refletiu a omissão da categoria em certa medida, e isso já foi dito por pessoas de fora das duas chapas nos debates que se seguiram nas redes sociais), não se pode deixar de notar que foram as emoções exacerbadas pela violência trabalhista cometida contra o grupo que se autointitula “Gatos Pingados”, força motriz juntamente com a diretoria do Sinjor-PA da greve do Diário do Pará, que proporcionaram essa oposição “chapa quente”. A cada novo ataque, esse grupo soa como se fosse um bando de cães raivosos, ao invés de gatos malandros e dóceis. Antes que os ataques recomecem, notem que uso essas expressões de maneira figurativa, para demonstrar um comportamento equivocado ou malicioso, não quero pré-julgar ninguém (mas também não sejamos ingênuos). Não somente por causa da campanha, mas como muito bem frisou Anderson, pelo pós-campanha.

Se fossemos falar sobre política, além da afetividade, talvez atiçássemos ainda mais os afetos, ou os ânimos. Mas o fato é que, politicamente, para não ficar bancando o erudito e citando autores, é preciso pensar em um projeto sindical. Não somente em um “movimento sindical”. A categoria dos jornalistas faz parte de um campo social (refiro, sim, a Bourdieu) muito forte, que está ligado às estruturas de poder hegemônico e precisa pensar o sistema de dentro dele. Não podemos neste campo, a meu ver (e isso obviamente é a opinião de um observador político, crítico, plural), agir com os afetos predominando sobre a reflexão crítica (os gregos diziam que a crítica é a arte do discernimento). Pessoas enfurecidas, sob forte efeito da emoção, não são capazes de discernir. E isso não as faz piores. É humano. Assim como é humano a capacidade de superar a emoção. E pensar, como Habermas, em uma ação comunicativa. Por isso, que não reste dúvidas, Sou mais Sinjor. Porque nossa união não exclui a diferença. A diferença, sempre existirá. Nossa união é calcada na reflexão crítica, no discernimento.

Por fim, mais uma vez, preciso frisar que não quero colar na figura do Anderson. Usei esse recurso discursivo para me fazer compreender, a partir de uma prática didática e dialógica (e quem sabe bem-humorada), a dimensão das questões aqui envolvidas. Como qualquer colega que tem opinião própria não espero que o Anderson seja unanimidade para que eu possa capitalizar votos de nossa amizade (como já disse, ele e eu, diferentes, temos muitos amigos, ou não, em comum em ambas as chapas). Muito menos pretendo ser unanimidade em qualquer campo. Quero, sim, ter a oportunidade de pensar e refletir sobre as nossas condições e propor alternativas. E que violência ser atacado por isso.

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Elielton Alves Amador é graduado em Jornalismo pela Universidade Federal do Pará (UFPA) em 1999, é especialista em Comunicação e Política nos Órgãos Públicos (Unama/2009) e Mestre em Ciências da Comunicação (UFPA/2014). Foi repórter do jornal O Liberal, colunista, repórter e editor do Diário do Pará. Atuou em assessorias de imprensa, como a Secretaria de Estado de Educação (Seduc) e Universidade do Estado do Pará (Uepa). Também foi assessor na Secretaria de Estado de Comunicação (Secom) e outros órgãos estatais. Atuante na área da cultura, já foi delegado setorial e presidente da Associação Pró-Rock. Também é músico e editor do site Pará Música (paramusica.com.br), colabora com revistas paraenses e assessora artistas e empresas na área cultural.