A jornalista Yorrana Oliveira, produtora da revista Conecte!, do grupo Ideal, me convidou para escrever um artigo de 2 mil toques motivado pela pergunta "por que o rock paraense não conseguiu o mesmo sucesso que o tecnobrega ou as guitarradas". Disse que era uma pergunta difícil mas topei escrever sobre o conceito de cena musical do canadense Will Straw, uma vez que ele explica bem a relação sensível das cenas mais rústicas e originais como suponho ser a do rock paraense. Consegui escrever 2,9 mil toques -- a edição se encarregou de eliminar os excessos para caber na página da revista, que você pode conferir gratuitamente nos pontos de distribuição da Jokerman pela cidade. Aqui você confere a página e o texto original na íntegra.
Cenas musicais e mercado
ou sensibilidades e articulações
O sucesso comercial raramente se
confunde com a efervescência de uma cena musical. São necessários muitos
fatores de mediação em favor, principalmente, do mercado para que cenas
musicais locais possam ser “alçadas” a uma condição de destaque nacional em
nível de mercado. Os exemplos mais clássicos são o grunge de Seattle e o manguebeat
de Recife.
Convém visitar um novo conceito
de “cena musical” utilizado pelo sociólogo canadense Will Straw. Para ele, a
cena nasce nos afetos e sensibilidades, onde o compartilhamento da música gera
a criatividade que produz efeitos sociais, econômicos e culturais em um espaço
geográfico. Por exemplo, garotos que curtem rock juntos decidem montar bandas
para aplacar o tédio. Essas experiências sensíveis começam a impactar as
dimensões culturais, sociais e econômicas na medida em que formam
identificações, mobilizam o comércio de instrumentos, estúdios etc e ocupam o
espaço intersubjetivo com as imagens criativas de suas canções (em shows,
rádios...).
Para caracterizar uma cena, é
necessário ter sensibilidade e articulação. Ou seja, é preciso que os sujeitos
dessa cena tenham uma interação produtiva, criando a efervescência cultural.
Mas Straw foi criticado e teve que admitir que não somente as sensibilidades
impulsionam ou retraem as cenas. Políticas públicas e fatores econômicos podem
diminuir a intensidade ou criar agenciamentos políticos.
Penso que uma cena que ganha dimensões
comerciais sofreu necessariamente, direta ou indiretamente, a ação do mercado, que
não quer a efervescência, quer a qualidade técnica e os fatores estéticos que
atendam aos padrões estabelecidos. O rock paraense, pela sua natureza instintiva,
é resistente a isso.
Daí a importância do Carlos
Eduardo Miranda para o Terruá Pará e o destaque da nova cena paraense. Miranda nos
acompanha desde 2003. Encontramo-nos nesse ano em São Paulo e ele conhecia a
minha banda, a Norman Bates, que ele declarou admirar. Mas sabia que a banda
ainda tinha que ter muitos acertos para se encaixar nos padrões midiáticos ou
fonográficos. O mesmo se pode dizer da Madame Saatan e de outras, mesmo as mais
pop de Belém.
Questões de gênero e econômicas
também podem provocar as oscilações de mercado. Pode haver um produto em falta
no mercado e ele tem que ser substituído por outro. Ou o custo de um é mais
barato que o outro... A construção de um mercado regional ou um novo mercado
nacional que aprimore a técnica e crie novos valores estéticos da cultura de
massa é uma utopia boa, vivida por quem acredita em conceitos como economia
criativa e economia solidária, por exemplo. Continua sendo um caminho quando há
sensibilidade e articulação.