quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Música Para Todos – Notas II

Pará Pro Música

Havia mais de um ano que um grupo de pessoas mais assíduas tentava reestruturar a Associação Pro Rock, nascida em 2004 e, por um ano e meio, atuante na cidade de Belém. Foi em janeiro ou fevereiro de 2008 que o cantor e compositor Paulo Martins, o Luamim, pediu minha adesão ao manifesto do movimento Bafafá do Pará. Li e achei que era uma boa oportunidade de agregar os músicos paraenses em torno de um projeto estruturante.

Em 13 de julho daquele mesmo ano se concretizava uma parceria que envolvia ainda o selo Ná Music e a Dançum Se Rasgum (registrado o início da parceria aqui, no blog). Como o Fórum Permanente de Música tivesse se dissolvido, se dispersado, depois que se encerraram as reuniões da Câmara Setorial de Música promovidas pela Funarte até 2006, propomos a criação do Fórum Paraense de Música Independente, mais voltado para as preocupações dos artistas e produtores que, de certa forma, naquele momento estavam ligados por uma rede.

A idéia era pleitear ações públicas em favor do desenvolvimento da cadeia produtiva da música para gerar trabalho honesto e digno, interagindo com a sociedade, justificando o investimento de dinheiro publico com a apresentação do potencial econômico e social da música paraense, além de seu talento e diversidade.

O Programa de Ações Integradas do Fórum Paraense de Música Independente ia custar R$ 260 mil e realizar três grandes eventos, dois deles em praça pública, ia ajudar a prensar seis discos que estavam quase prontos mas por falta de poucos recursos não saiam (alguns deles não saíram até hoje) e ajudar a realizar a terceira edição do festival Se Rasgum, que enfrentava sérias dificuldades e corria risco de não se realizar naquele ano.

Pedimos ajuda à Secult, que repassou para o programa apenas R$ 13 mil. A Se Rasgum pleiteou mais por fora e conseguiu mais R$ 15 mil só para o festival. Mas quem receberia o recurso seria a própria Pro Rock. No entendimento do controle interno da Secult, porém, gerar dois processos para a realização do mesmo programa ou para ações já previstas no programa não era legal. R$ 15 mil se foram por água abaixo. Ao cobrar em nome dos colegas da Pro Rock e do Bafafá mais visibilidade para a marca do movimento no festival, numa infeliz coincindência com o revés, fui acusado de agir de má fé, supostamente sabendo com antecedencia que o festival seria prejudicado.

Olhando de hoje, observo certa ingenuidade misturada com a falta de presteza gerencial, ansiedade, passionalidade, vaidade (sempre ela) que acabaram por provocar essa situação bizarra. Porém, a inexperiência de gestão da própria Pro Rock não me permitia saber do desastre com antecedência. Jamais provocaria conscientemente uma condição que prejudicasse, por exemplo, a sanidade fiscal da associação ou que prejudicasse os parceiros, mesmo eles tendo ido negociar recursos por influências pessoais no Governo. Quem me conhece sabe disso.

As diferenças estão sendo superadas como as dificuldades, consolidação de algumas políticas, além do mais do que necessário amadurecimento das partes, inclusive gerencial. E o mais produtivo de tudo é que dois anos de discussão e estudos e análises de conjuntura da música independente e da música comercial brasileiras resultaram em um modelo de programa de fomento da cadeia produtiva. Esse programa está hoje encampado pelo SEBRAE-PA e chama-se Pará Pró Música.

A ação integrada entre o SEBRAE e os empreendedores da música paraense deve gerar um programa de referência nacional. Aderido também pela Se Rasgum, que já incluiu na semana de profissionalização deste ano a apresentação do Programa, o programa já provoca um Bafafá em outros estados através da sua divulgação informal no Fórum Nacional de Música.

O programa tem como base a inclusão do músico paraense no mercado digital, através da afirmação no mercado de um portal da música paraense, abastecido de conteúdo livre e pago, de redes sociais, de uma agência de notícias e de uma interface de negócios digitais, que deve ser gerido por uma cooperativa – modelo de negocios que também cresce em outros estados como Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo e Maceió.

Ao longo de três anos, a consolidação dessa plataforma digital seria incubada através da formação e qualificação de músicos, produtores e gestores em todas as áreas necessárias ao desenvolvimento. Além de ações de promoção da música paraense como criação de feiras de música, cursos de produção musical, a manutenção de um calendário de eventos importantes, como o Se Rasgum, o Bafafá e outros.

Interagindo com as redes nacional e internacional, o programa, se for bem desempenhado, vai dinamizar a produção artística já profissional e vai preparar os que ainda carecem da profissionalização, promovendo sua inclusão no mercado emergente.

David McLoughlin, o americano que vende música brasileira para o exterior através da BM&A, me disse na semana retrasada durante a Feira da Música do Sul que a música paraense esta pronta para “estourar” e fez certa referência ao tecnobrega. Eu diria que o que todo mundo diz sobre a musicalidade do Pará e da Amazônia precisa do suporte do Pará Pró Música e de uma política pública de estado consolidada para acontecer. Como diria o caboco, a gente aqui é que vive, a gente aqui é que sabe. Com a ajuda do conhecimento gerado fora por outras iniciativas pioneiras, podemos criar algo novo.

É nesse embalo que a terceira edição do Bafafá (pro música) acontece no dia 13 de dezembro, com apoio do Governo do Estado, através do SEBRAE-PA e da Secretaria de Estado de Cultura. Os apoios ainda são pequenos mas garantem mais um manifesto pacífico, no qual onde os artistas paraenses integrados ao projeto de construção de um mercado auto sustentável podem pedir a adesão do público paraense, da mídia, da iniciativa privada e dos poderes executivos. É preciso o apoio definitivo a um setor que se mostra promissor e necessário ao desenvolvimento social e econômico da região.

(Você ainda não vê nenhum conexão entre isso e mais e mais jovens sem opção e alternativa jogados pela praça da República aos domingos? Falamos mais sobre isso lá na frente.)

De qualquer forma, esse apoio só virá quando vier também o reconhecimento maior da própria classe artística. Governo nenhum vai investir em um setor que ele mesmo não se valoriza e não se organiza, por maior que seja seu potencial. A participação efetiva de todos os interessados no Pará Pró Música se faz necessária. Atualmente em fase de diagnóstico, cerca de 40 empreendedores entre músicos e produtores de quase todos os estilos já preencheram o questionário de diagnóstico da consultoria do SEBRAE-PA. Bregueiros, roqueiros, MCs e DJs já aderiram ao projeto. Falta o pessoal na música instrumental e da música regional aderir também. É preciso pelo menos mais 20 empreendedores individuais ou coletivos (associações, micro-empresas, coletivos, enfim).

Portanto eu gostaria de convidar a todos para no dia 1º de dezembro, às 15h, participarem da reunião de apresentação e adesão do programa Pará Pro Música. Nos próximos dias apresento aqui mesmo no blog os artistas que vão estar no dia 13 na Praça da República e no Teatro Waldemar Henrique em campanha pela música paraense e pelo Teatro, que ainda precisa de investimentos públicos para se reestruturar.

Nos próximos posts eu conto mais, enquanto trabalho, sobre a mobilização da música no Brasil.

domingo, 15 de novembro de 2009

Música Para Todos – Notas I

Reunião do Colegiado Setorial de Música em Brasília. Foto Manoel de Souza Neto (Fórum de Música do PR)

27 de outubro, terça-feira, Brasília. O diretor da Associação Brasileira de Produtores de Disco (ABPD) Eduardo Rojo está sentado a meu lado junto à mesa que reúne o Colegiado Setorial de Música do CNPC (Conselho Nacional de Políticas Culturais) em uma sala do Hotel San Marco, em Brasília.

O Colegiado deve tornar-se a instância consultiva mais importante do país no que diz respeito à política pública para a música -- importante produto da cultura nacional a figurar entre seus maiores potenciais socioeconômicos. Mas é difícil organizar-se em torno da dionisíaca arte brasileira.

Reconheço Rajo de reuniões anteriores da Câmara Setorial de Música, semente embrionária do Colegiado, fomentada pela política de Gilberto Gil quatro anos antes. Rajo sempre compôs a mesa criada pelo Ministério da Cultura. Ele é participativo e é um dos que sempre tem um item a destacar nos documentos que vão definir as políticas de incentivos. Ele sabe que seu negócio dependente, em parte significativamente importante, das regras que o Estado dita.

Digo a Rajo que sempre acompanho os balanços anuais da ABPD, que não deixaram de ser indicadores importantes do mercado. Tais balanços foram citados por Márcia Tostas no livro “Os donos da voz - Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura”. Através das tabelas publicadas por ela, percebemos como o negócio cresceu até o final da década de 1990, quando o Napster mudou tudo. Era (e ainda é) uma indústria multibilionária. No início, porém, nomes hoje consagrados como Caetano Veloso, Chico Buarque e o ex-ministro Gilberto Gil, entre tantos outros, nunca deram lucro a ela.

(Ironia um: Os artistas brasileiros eram contratados pelas gravadoras multinacionais por exigência do governo nacionalista militar, que não abria mão de tê-las sediadas no Brasil e operando com um catálogo nacional. Para vender discos americanos, que realmente davam lucro, a indústria não pensou duas vezes em montar um catálogo nacional. Foi assim que os artistas que contestavam a ditadura puderam gravar vários discos, consolidar sua carreira e poder ser parte do imaginário cultural brasileiro, antes de dar lucro a essa indústria. Mas a indústria não dá ponto sem nó...)

De 2001 até 2007 a curva que demonstra os lucros da indústria fonográfica desce sem parar, em média 20 a 30% a cada ano. Em 2008 uma surpresa pouco comentada pela mídia nacional este ano: a tendência de queda foi estabilizada por um respiro de saldo 1,25% positivo. Não é nada se comparado à perda acumulada, mas é muito em análise crítica de mercado.

Alguns associados da própria ABPD dizem que esse “respiro” aconteceu por efeito da crise financeira mundial. Sim, a crise financeira impulsionou a venda de discos no Brasil! É o que dizem alguns dos associados da ABPD nesse documento.
Antes do crash a economia ia próspera, mas isso não se refletia diretamente em vendas de disco. Essa prosperidade se refletia, no segmento fonográfico, no número de downloads pagos na internet, que cresceu mais de 1.612% entre 2006 e 2007. O brasileiro descobria o download pago.

No ano seguinte à “descoberta” da música digital pelo brasileiro, o mercado começou a se estabilizar. De 2007 para 2008 (período em que a arrecadação com vendas físicas de CDs e DVDs respirou 1,12%), a venda de música digital subiu novamente: 68%. Não chegou aos astronômicos quatro dígitos percentuais do ano anterior, mas é um resultado mais do que excelente.

Na telefonia móvel, outra plataforma de venda digital, o crescimento nos últimos dois anos medidos foi de 127% e 82,4%, respectivamente. O setor de vendas digital no mundo todo cresceu 25%. No Brasil, esse crescimento foi superior a 79%. E estamos falando de apenas 12% do total de arrecadação do setor fonográfico brasileiro -- a maior parte da grana ainda vem da venda de discos e DVDs físicos.

O Brasil do futuro vende música digital. O Brasil do presente ainda não pode ignorar o CD e o DVD. O Brasil do presente e o Brasil do futuro precisam se encontrar.

Com a crise financeira mundial (estourada em outubro de 2008), o comércio sofreu o chamado “efeito batom”. Os luxuosos presentes de fim de ano, como aparelhos de celulares e outros eletroeletrônicos, deram lugar a presentes mais baratos e simbólicos. E o que mais simbólico e barato do que a música brasileira? CDs e DVDs de custo muito inferior, principalmente os catálogos antigos, reeditados pela indústria a preços módicos, deram um “gás” importante no mercado. Foram estes os responsáveis pelo respiro da venda física da indústria fonográfica em 2008, supõem os empresários do disco.

(Ironia dois: A indústria não dá ponto sem nó, e não joga dinheiro fora. Lembra dos discos de Gil, Caetano e Chico que não deram lucro na época de seus lançamentos e serviam à indústria apenas para garantir que a música americana fosse vendida livremente no Brasil, por exigências legais do governo nacionalista militar?! Pois é, 30, 40 anos depois eles são capazes de entrar em catálogo novamente, sem custos de lançamento e de promoção, a preços módicos, e em tempos de crise com distribuição de renda promovida pelo Governo Lula, e vender, dando gás a uma indústria que ia mal das pernas.)

Mas Rajo explica que na música a crise não influencia, em ordem direta, em aumento ou queda de vendas de disco ou downloads. “Esse ano nós não sabemos como vai ser. Tivemos alguns lançamentos muito bons. De modo geral, o que impulsiona as vendas são os sucessos. Se você tem sucessos, a música vende.”

Rajo concorda que o artista brasileiro, “sem generalizar”, se afastou de seu público, tornou-se distante, alienado. De qualquer forma, a ABPD está sempre atenta aos movimentos e aos jogos políticos que podem influenciar no mercado. “Gostaria de ver balanços tão consistentes fornecidos por outros atores da música, pois, somos os únicos a divulgar esses números”, diz Rajo.

A Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin) parece ser o alvo da “indireta” de Rajo. Hoje uma das instituições politicamente mais influentes na promoção de políticas públicas para a cultura musical brasileira, ainda não publica balanços. Seus números são de circulação, catalogados principalmente pela rede Fora do Eixo, e quase não falam em dinheiro e arrecadação.

Segundo informativo divulgado no último Congresso Fora do Eixo, realizado em setembro durante o Festival Varadouro (AC), 418 bandas circularam por 49 cidades brasileiras somente durante o festival Grito Rock, uma ação integrada nacionalmente através de coletivos de jovens que promovem a música alternativa em suas cidades.

Esses jovens recebem apoio dos governos municipais, estaduais e da iniciativa privada para a realização de shows. Parte significativa desses custos é paga pelos próprios artistas, os mais jovens ou que habitam os lugares mais distantes do eixo Rio-São Paulo, que pagam suas passagens para poder circular e ganhar visibilidade. Dinheiro, não, visibilidade, mídia etc são as principais moedas oferecidas pela rede Fora do Eixo.

Por o investimento ser fragmentado, é difícil saber quanto gira nesses negócios. Mas sabe-se de uma grande importância econômica e social, que talvez precise de uma aferição mais rigorosa de sua eficácia. Um dos princípios pregados pela rede Fora do Eixo é a Economia Solidária, fomentada pelo Governo Federal (não através do Ministério da Cultura, mas através do Ministério do Trabalho e Emprego). Foi a Secretaria Nacional de Economia Solidária que ensinou ao Fora do Eixo e à Abrafin que eles praticavam a chamada Ecosol.

Em 2006, numa das últimas reuniões da Câmara Setorial de Música no Rio de Janeiro, Fabrício Nobre, me disse que o Ministério do Trabalho procurou por eles. “Nós nem sabíamos que praticávamos a tal da economia solidária”, disse.

A Economia Solidária tem um princípio/meio socialista de apropriação dos meios de produção e divisam dos lucros entre os cooperados. Não é novo e é um princípio ligado ao capitalismo. Surgiu na Inglaterra depois da revolução industrial, quando os artesãos desempregados começaram a criar as cooperativas. A Economia Solidária deveria funcionar como um regulador do capitalismo. Está ligada a setores em que o capitalismo predatório não tem grande interesse. Como é o caso dos artesãos, dos catadores de lixo, e, ao que parece, dos “músicos pedreiros”.

Sua aplicação a um segmento que se confunde com o que é chamado também de Economia Criativa, setor nada desprezível nesta nova etapa do capitalismo global, gera contradições. Como manter duas frentes de música, uma profissional, onde não se aceitam barganhas, e outra semi profissional, que negocia sua produção pela visibilidade e pela tentativa de alcançar o topo do circuito independente? Quem julga quem ser capaz de atravessar essa linha?! Para roqueiros vaidosos e contestadores isso torna-se um problema.

Some-se a isso todas as diferenças regionais e os artistas profissionais que não se contentam em pagar para ter a visibilidade que já conhecem e teremos um pequeno gargalo a superar no desenvolvimento dessa economia. Nessa brecha, os fóruns estaduais de música, mobilizados pelo MINC quatro anos atrás começam a mostrar propostas para os setores não contemplados com nenhuma das duas vertentes em voga. Uma reorganização desse cenário está se configurando.

Estados como os do Norte ainda não aproveitam a circulação porque é cara e porque ainda não tem condições de circular com bons discos e material promocional. A ideologia da circulação, a máxima de que música não se vende mais, apenas se distribui para angariar shows tem excluído projetos de qualificação da produção musical, que afetam justamente os artistas do Norte, com maior dificuldade de acesso a tecnologia e informação qualificadas, de gravar bons discos (ou DVDs ou produzir bons shows). Sofremos o apogeu da nossa regressão auditiva proclamada por Adorno?!

Acredito que com mais programas e projetos na área de qualificação, a rede de circulação vai funcionar mais azeitada e outros caminhos podem se abrir para os artistas ditos independentes, como, quem sabe, o mercado digital. Uma realidade que, no Pará, só vejo capaz de mudar com a iniciativa do Fórum Estadual, que provocou o SEBRAE para a criação do programa Pará Pró Música.

O exemplo do Pará é uma mostra de que podem haver outros caminhos, sem que nenhuma outra iniciativa seja anulada.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Orgulho índio

Foto de Lucivaldo Sena

Sábado, 31 de outubro. Parque Ambiental de Paragominas, Pará. Faltam pouco mais de 20 minutos para as 18h e uma índia Assurini, etnia que eu já conhecia de visitas a uma aldeia em Tucuruí, finaliza uma pintura nos meus braços. Nesse momento, as delegações dos vários povos reunidos para os décimos jogos indígenas, hospedadas em várias ocas no espaço conexo à arena, começam a se preparar para entrar em cena.
Os anfitriões Tembé se reúnem e fazem uma oração. Todas as demais etnias, com suas pinturas e adereços característicos, começam a sair das ocas e a dançar, cantar e tocar instrumentos de percussão como o maracá. Os Assurini usam instrumentos de sopro de quase dois metros de comprimento, feitos em bambu. Três índios tocam um acorde grave e constante. O som é hipnotizante. A lua cheia já começa a brilhar no céu, mesmo com o respingo de luz do final da tarde. A poeira levanta com o pisar de pés descalços.
Jornalistas e fotógrafos são proibidos de entrar naquela área. Apenas os atachê (ajudantes) e os organizadores conseguem imagens privilegiadas desse ritual coletivo de celebração. Aos poucos as tribos vão se organizando em fila para entrar na arena. Na saída da aldeia para entrar na arena uma pequena multidão de fotógrafos profissionais se arma, sedenta.
Na arena, um grande sistema de som com PAs tipo air fly (usados em grandes concertos de rock ou música sertaneja) toca canções de “brancos” com a temática indígena. “Todo dia era dia de índio”, de Baby Consuelo, é a mais comum, mas rola até “Índios”, da Legião Urbana. O ritmo dançante contrasta com o som tribal na aldeia ao lado. O apresentador Pacífico Júnior, que chegou há uma semana na cidade, faz a preparação do espetáculo com carisma. Apresenta as autoridades e anuncia o acendimento das tochas. Conta histórias sobre o senso comum que diz que Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil. Exalta a figura indígena.
Quase 10 mil pessoas lotam as arquibancadas. Por volta das 18h20, as etnias começam a ser anunciadas. Os Tembé, que tem uma reserva em Paragominas, são os primeiros, os anfitriões. Uma a uma são anunciadas as delegações: Kaiapó (MT), Kaigang (RS), Xokleng (SC), Xavante (TO)... cada uma é anunciada com as suas características e os seus maiores dotes esportivos. Na entrada, soa a introdução de “O Guarani”, de Carlos Gomes. Eles são recebidos com salvas de palmas e gritos entusiasmados da platéia.
Depois das apresentações, acontece uma corrida de toras. Duas equipes Xavante deram três voltas na arena, revezando em carregar uma tora de buriti de 120 quilos. A equipe número um ganha, mas as duas celebram. Não há placar. “Aqui, mas impotante do que vencer, é estar juntos, celebrando”, explica Pacífico, que participou de todas as edições dos jogos.
Os Terena, etnia do embaixador para as Nações Unidas Marcos, um dos idealizadores dos jogos, dançam no ritual do fogo, celebrando em volta de uma grande fogueira. A lua já está alta. E o ponto alto se aproxima. O Hino Nacional é executado em português e em língua indígena. As piras dos totens que são os símbolos dos jogos são acesos. Estouram os fogos em um espetáculo visual impressionante.
São 20h30 e a abertura dos jogos está oficialmente encerrada. As pessoas se reúnem na arena, conversão com os índios e batem fotos. Algumas meninas chegam a brincar dizendo que querem autógrafos.
Jaqueline Araújo da Conceição, 21 anos, estudante do terceiro ano do ensino médio, junto com a tia e irmãs, parece uma tiete cercando um ídolo pop. “Nossa, eu nunca tinha visto índios tão bonitos”, diz ela, entre sorrisos largos. “Adorei, ainda não tinha visto um espetáculo tão bonito”, concluiu. É só o começo. Ainda tem uma semana de jogos pela frente.