“Tu já rainha” o show que Luê Soares apresentou ontem no SESC Boulevard traz um diálogo de gerações que marca talvez o momento anterior ao despertar da carreira da jovem cantora. Luê começou a cantar há pouquíssimo tempo, no entanto, já consta na programação do Terruá Pará, o projeto de maior visibilidade do Governo do Pará pelos próximos quatros anos. Luê merece. Quem a visse cantar ontem no SESC não diria que ela começou há poucos meses.
Bela, sensual, afinada e extremamente competente, ela tem na figura do pai, Júnior Soares, do Arraial do Pavulagem, mais do que um padrinho de carreira, um preceptor na música. Foi na fonte dele, não resta dúvida, que ela bebeu para tocar rabeca e entoar cantos de lamento e baladas do mais tradicional cancioneiro popular.
E não resta duvida, na presença de Júnior no palco da filha, que o carinho e o afeto transbordam nas canções e nos gestos manifestos públicos de um amor incondicionado. “Tu Já Rainha”, explica a cantora, não é porque ela “se acha” mas se trata de uma canção “profética”, segundo o pai, que ele fez quando ela ainda era um bebê.
Mas Luê já não é mais um bebê. Tem uma voz potente, um corpo que a deixa sem graça quando o vestido deixa mostrar mais do que deve, e desenvoltura pra dançar e descer do salto quando acha que o público merece. Enfim, Nayá (o segundo nome ficou de fora do nome artístico, provavelmente para privilegiar o sobrenome ilustre de família) tem potencial e talentos incomuns para a música tradicional popular e aponta a música pop.
A presença de Júnior no palco serve, como ele mesmo demonstra, para tolher um pouco, talvez para segurar um pouco mais o passarinho antes que ele voe tão alto. Não fosse assim e talvez o repertório não tivesse tantas baladas, tantas toadas, mesmo estilizadas. Não estou revelando nenhum segredo. “Ela tem todo potencial para voar”, diz Junior em uma de suas interferências do show.
O contraste de gerações ocorre logo em “Alumiará”, uma das baladas do pai em parceria com Ronaldo Silva que foi transformada em uma espécie de bossa nova. “Eu insisti na versão, ele não queria, mas no fim ele gostou”, diz. Junior torce o nariz como quem desaprova, mas ri e toca junto. Quando ela toca “Saara” com Arthur Espindola o gosto pelo mais moderno fica ainda mais evidente.
Mas a fonte em que Luê bebeu tem o seu charme, e marca o seu diferencial. Por isso o repertório ta recheado de toadas e canções que também trazem raízes populares como “Festividade” e “Capitulador”, todas pontuadas pela sua rabeca, todas de inspiração bragantina, terra fértil.
“Farois”, que encerra o show, traz um arranjo apimentado de música latina, e nessa hora fica a impressão de que poderia ter “esquentado” um pouco antes, a despeito do auditório muito confortável e bem refrigerado do SESC. O clima intimista teve até participação de Nilson Chaves na platéia, que opinou sobre uma ou outra versão.
Além de Luê cantar muito bem e do timbre privilegiado, ela teve acompanhamento de músicos competentes como Renato Torres (guitarra), Rubens Stanislaw (contrabaixo), Rafael Barros (percussão) e o próprio Júnior Soares no violão de naylon. A sombra que Junior projeta é grande, mas não ofusca.
Talvez, e eu vou me dar o direito à dúvida, se Luê cedesse tão rápido às influências mais modernas, corresse o risco de ter sua voz grave comparada a uma dessas cantoras da média MPB, essas que tem grande técnica e talento mas que foram corrompidas pelo mercado e que já não suportamos ouvir de tanto que se expuseram, inclusive através de seus clones. Dessas que eu prefiro nem citar o nome para não ofuscar o brilho dessa jóia em processo final de lapidação. Ainda bem que ela respeita os mais velhos e tem ainda um preceptor de responsa.
O pai,por sua vez, já mostrou, no Arraial do Pavulagem, que os ritmos tradicionais podem muito bem conviver com os elementos da música pop. Enfim, está muito bem instruída essa princesa. A lua diz amém.
Fotos: Bruno Cantuária
Set List - Tua Já Rainha
1 - Dunas da princesa
2 - Sei lá
3 - Alumiará
4 - Ave Manhã
5 - Nós dois
6 - Tu já rainha
7 - Capitulador
8 - Festividade
9 - Saara
10 - Tempo Invertido
11 - Campo do meio
12 - Delicadeza
13 - Sim
14 - Faróis
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3 comentários:
Bela resenha, Nicolau.
Apenas algumas correções em relação ao set list:
- pulaste a 3, Alumiará
- Tempo Invertido aparece duas vezes
- a 12 não foi Tambor de Couro, e sim Delicadeza, de autoria da Juliana Sinimbú (aliás, nesse caso é preciso alterar no texto também).
abraço!
Obrigado, Fabio!
Corrigido, veja se é isso mesmo!
Abs.
Perfeito, Nicolau!
Ou, citando o título da música de Renato Torres: "Sim".
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