sábado, 29 de dezembro de 2012

Ministério da Cultura realiza encontro e renovação dos colegiados setoriais

Soft Power: A ministra Marta Suplicy
na abertura da reunião dos "Fóruns
 Setoriais", em Brasília.
Os Colegiados Setoriais de Cultura, instâncias consultivas que compõem o Plano Nacional de Cultura (cuja instância superior é o Conselho Nacional de Políticas Culturais – CNPC), tem nova configuração desde o último dia 15 de dezembro quando encerraram as reuniões convocadas em Brasília pelo Ministério da Cultura. Neste texto pretendo registrar os fatos mais importantes ao processo, principalmente, aquilo referente ao Colegiado Setorial de Música (CSM), do qual fiz parte como membro nato desde 2005 e do qual me despedi este ano deixando novos colegas no lugar. Também registro as falas da nova ministra da Cultura, Marta Suplicy, e do presidente da Funarte, Antonio Grassi, que esteve presente à reunião do CSM.
O encontro reuniu cerca de 450 delegados de todos os 17 colegiados (Design, Música, Teatro, Culturas Populares, Dança, Artesanato etc.), eleitos em processo eleitoral pela internet – onde a dificuldade do sistema criado pelo Minc e a burocracia exigida eliminou mais da metade dos eleitores aptos a votar e muitos candidatos. Essa dificuldade, fora as dificuldades de locomoção e passagens de muitos delegados, foi um dos principais motivos de críticas dos delegados na cerimônia de abertura, onde o diretor do departamento de participação social da Secretaria Nacional de Articulação Social da Secretaria Geral da Presidência da República, Pedro Pontual, falou sobre democracia participativa e democracia representativa, e expôs as ações do governo federal para promover a participação popular no processo de decisões em várias instâncias.
Apesar da boa vontade demonstrada por Pontual e o Secretário de Articulação Institucional, João Roberto Peixe, as críticas se sucederam até que eles não tivessem mais tempo de responder, pois havia acabado o tempo e era a vez da cerimônia com a participação da ministra. Além dos delegados, havia observadores como a antropóloga Lorena Avellar, que prepara a tese de doutorado na USP sobre políticas públicas na área cultural.
Uma das críticas que também ressoaram no salão do Centro de Eventos e Convenções Brasil 21 foi a da delegada paraense Edna Marajoara, que reclamou da falta de institucionalização do “custo amazônico” nas diretrizes do Plano Nacional de Cultura por parte do CNPC. Produtores, artistas e gestores criticam veladamente o conceito por acharem ora uma forma de privilegiar a região amazônica sobre as demais, ora por dizerem que não sabem exatamente do que se trata esse custo.
Fato é que o custo amazônico foi aprovado como diretriz por grande número de votos na última Conferência Nacional de Cultura, dois anos atrás. Apesar disso, o CNPC não validou a institucionalização do conceito – apesar do Minc ter iniciado um programa compensatório com o edital para micro projetos culturais para a Amazônia Legal. A defesa de uma política de desenvolvimento artístico e cultural para a Amazônia foi defendida e tem sido reiterada pelos representantes do Fórum Permanente de Música do Pará como eu,  Augusto Hijo e Gláfira Lobo, além de muitos outros representantes que vem participando do processo de construção de uma política nacional de cultura desde 2005, quando foram criadas as câmaras setoriais. Considero-o, antes de um conceito econômico, um investimento e uma compensação pela exploração dos recursos naturais e pela omissão histórica da cultura regional como parte de suposta identidade nacional. Se falarmos de soft power, como explicitaremos mais adiante, o potencial é grande. Sem negar, de forma alguma, a contribuição que a cultura das demais regiões dão ao país.
No final, não obstante as críticas, delegados e gestores pareceram chegar a um consenso em que, apesar das falhas, a participação democrática tem sido, na maioria dos casos e a despeito das mudanças promovidas pela ministra anterior, favorecida pelo Minc. Pelo menos a impressão que tivemos é que o carisma e a desenvoltura política da nova ministra Marta Suplicy traz mais segurança ao setor.
  

O soft power de Marta Suplicy


A ministra recebeu de presentes
um Búfalo de balata, tipo de látex
 que só dá nas seringueiras do Marajó. 
A abertura oficial da reunião dos colegiados setoriais de cultura (chamados erroneamente pelo próprio Minc de Fóruns Nacionais Setoriais) ocorreu pela parte da noite do dia 13 de dezembro, depois das palestras dos gestores e das críticas dos delegados, com a participação da ministra Marta Suplicy e de mais duas mulheres: Rosa Coimbra, representando a participação da sociedade civil no CNPC, e a deputada Dorinha Seabra Resende, representando a frente parlamentar em defesa da cultura e a comissão de educação e cultura. Silvestre Ferreira, da Fundação Cultural de Joinville e presidente do Fórum Nacional dos secretários de dirigentes municipais de cultura das capitais e regiões metropolitanas, completou a formação da mesa.
Rosa Coimbra reiterou o apoio do CNPC ao governo, apesar de ressaltar que nem todas as demandas tem sido atendidas. Dorinha falou sobre a frente parlamentar, que é suprapartidária e tem conseguido mobilizar muitas questões dentro do Congresso Nacional como a aprovação recente do Vale Cultura, que chegou a ser anunciado ainda no governo Lula mas que ainda depende de regulamentação. Ferreira empenhou apoio dos secretários.
Mas a fala que todos aguardavam mesmo era a da ministra, que imprimiu um tom descontraído e informal ao seu discurso. “Eu estou aqui, conversando com vocês, esperando que a gente possa, junto, entender melhor o processo”, dizia ela.
Marta falou da marca que quer imprimir à sua gestão. Ressaltou as dificuldades de execução de orçamento e de falta de interação política e institucional da pasta, e contou como tem contado com apoio da frente parlamentar, do presidente do senado José Sarney e da equipe do ministério, que pouco se alterou com a sua chegada recente. “Demos sorte que ele também é da área”, disse, relembrando a verve literária do ex-presidente da República e ressaltando a importância dele nas articulações políticas para a aprovação do Vale Cultura, que ainda depende do convencimento das empresas que podem ou não adotar o sistema.
O contingenciamento orçamentário da pasta e a falta de habilidade das organizações culturais com a gestão financeira dos projetos foram apontados pela ministra como algumas das dificuldades de implantar uma marca forte. Mas ela anunciou orgulhosa que àquele momento o ministério chegava ao recorde de 96% de execução do próprio orçamento.
Falou que o ministério vai implantar os projetos mesmo que as organizações culturais não tenham fôlego e convocou os municípios e as instituições a pedirem ajuda se for preciso. “Se não tiver produtor capacitado para executar os projetos, nós vamos até lá”, ressaltou a ministra. O anúncio parece coincidir com o edital de seleção de 114 produtores culturais para trabalhar no ministério lançado recentemente.
Mas foi quando falou da implantação dos CEUs das Artes no exterior que Marta Suplicy reiterou a vocação de sua gestão para o desenvolvimento integrado entre a economia criativa e a educação. Para quem não sabe, os CEUs são “centros unificados” que nasceram do conceito dos Centros Educacionais Unificados, implantados por Marta quando foi prefeita de São Paulo. A cidade conta hoje com mais de 40 CEUs que oferecem educação integral, esportes, assistência e cultura aos alunos da periferia. Marta já começa a implantar CEU’s pelo Brasil e contou como a prefeitura de Lisboa, em Portugal, lhe ofereceu um terreno para a construção de um CEU lá, disseminando a cultura brasileira. “Quando chegamos na França, o embaixador disse que já sabia que nós íamos construir um CEU em Portugal e perguntou porque não fariam o mesmo em Paris. Eu disse que não tínhamos perna para isso, e eles nos ofereceram também um terreno para implantar um CEU em Paris, e agora temos mais um CEU para implantar na Europa”, disse a ministra.
Ela mesma contou das críticas a respeito de investir dinheiro da cultura no exterior e disse que era importante, que era soft power. “O pessoal da economia criativa sabe do que estou falando”, afirmou a ministra.
A partir da página 12 do livro “Mainstream – A guerra global das mídias e das culturas” (Civilização Brasileira, 2012), o sociólogo francês Frederick Martel, um entusiasta das indústrias criativas, explica o conceito de soft power através do cientista político americano Joseph Nye, então presidente da Kennedy School, “a prestigiosa escola de ciências politicas e diplomacia” sediada em Harvard. Nye analisou a “interdependência complexa” das relações entre os países numa época de globalização e inventou o conceito de soft power, que serve ao governo de Barak Obama atualmente. Consiste em uma estratégia de sedução que dá poder e está baseada na cultura e não mais na força militar, o hard power. Segundo o cientista, “o soft power também é a influência por meio dos valores como liberdade, democracia, individualismo, o pluralismo da imprensa, a mobilidade social, a economia de mercado e o modelo de integração das minorias nos Estados Unidos.”
Assim, temos uma ideia do que será a marca de Marta com os CEUs – em que ela pediu para não economizar, pois, segundo ela, é com instalações e equipamentos de ponta que a prática das artes deve se desenvolver entre os jovens.



A renovação do colegiado de música



Delegação Norte do Colegiado de
Música: Nicolau, Wertemberg ,
Hijo e Luciano Souza.
Dada a dificuldade de participação pelo processo eleitoral implementado pelo Minc, praticamente ao mesmo tempo em que a ex-ministra Ana de Hollanda caia e ascendia Marta Suplicy, muitos dos 17 colegiados setoriais ficaram incompletos. Cada colegiado é formado por 30 membros, sendo 15 titulares e 15 suplentes. O colegiado setorial de música contou com a participação efetiva durante as discussões e o processo eleitoral de 32 delegados e membros natos – aqueles que participam do processo desde a implantação das câmaras setoriais em 2005. Destes, quatro membros natos em segundo mandato não poderiam participar da renovação dos colegiados, entre eles o mineiro Makely Ka, o goiano Du Oliveira, o representante do Paraná  Manoel Souza Neto e eu. Apesar disso colaboramos substancialmente para a fluidez do processo, acredito.
Assim sendo o processo eleitoral tomou início, não sem antes o ator Antonio Grassi, atual presidente da Fundação Nacional das Artes (Funarte), braço institucional do Minc que organiza os colegiados/câmaras desde 2005, receber e responder a algumas críticas. Tudo parte do processo democrático, que eventualmente demonstra alguns gargalos políticos setorizados ou talvez regionalizados.  Grassi respondeu principalmente sobre a desarticulação da Rede Música Brasil e a ausência da Feira Música Brasil, e de algumas feiras regionais. Aceitou a sugestão de Makely Ka para construir um Seminário Nacional da Música.
De volta à reconstituição do colegiado, como não havia delegados suficientes para uma disputa mais acirrada, alguns membros natos tentaram mais uma vez repetir o consenso promovido por amplas discussões entre o Fórum Nacional da Música e o Circuito Fora do Eixo na última pré-conferência nacional de cultura, em 2010, onde foram eleitos os delegados que agora deixaram o cargo. Esse “consenso” encontrou, na minha opinião, muitas dificuldades de ser executado e acabou por colaborar por um esvaziamento do FNM e um afastamento do CFE depois que Juca Ferreira deixou a pasta sendo substituído por Ana de Hollanda. Nesta reunião havia três membros do Fora Eixo, inclusive Ney Hugo, ex-baixista da banda Macaco Bong, que atualmente conduz os trabalhos do coletivo no Rio Grande do Sul.  
Grassi, da Funarte, rebatendo
críticas. Ele prometeu Seminário
Nacional de Música
O rodízio entre titulares e suplentes foi a priori mantido mas é um acordo entre os delegados, que depende deles e não do Minc. Dessa forma, sugeri que seguíssemos a proposição do CNPC e elegêssemos primeiramente as representações regionais, já que cinco dos 15 titulares do colegiado são representantes regionais. Cada região, então, se reuniu e elegeu seus representantes. A região Centro-Oeste contou com apenas uma representante em todo o colegiado, a produtora Alexandra Capone, irmã do saudoso Tom Capone. A região Norte teve apenas três representantes aptos no processo: o paraense Augusto Hijo e Wertemberg Nunes e Luciano de Souza, ambos do Tocantins (O Pará teria mais um representante apto, o produtor Márcio Macedo, mas este não pode participar da reunião, pois as datas foram alteradas e ele tinha um compromisso em Belém com o show do Cabloco Muderno de Marco André).
O representante da região Norte escolhido foi o paraense Augusto Hijo que a princípio ficou sem suplente, assim como Alê Capone. A compositora Ana Terra, do Rio de Janeiro, foi escolhida pelo Sudeste, e o professor e compositor Ricardo Bordin foi eleito pelo Sul. Val Macambira foi o representante do Nordeste. Cada regional indicou ainda um delegado para ocupar uma vaga do colegiado representando também os setores criativo, produtivo ou associativo. A indicação da região Norte foi Luciano, que é presidente do Sindicato dos Músicos do Tocantins e participa da Federação Nacional de Cooperativas de Músicos.
Depois de escolhidos os representantes regionais foi a vez de eleger os outros cinco titulares, que foram eleitos no voto. A indicação da região Norte, o músico e produtor  Wertemberg Nunes, foi o segundo mais votando com 14 votos, atrás apenas do maestro Amilson Godoy, de São Paulo, que teve 19 votos. Atrás dele teve Ney Hugo (12 votos), Gabriel Alves (11), Aládia Quintella e José Raimundo Alves (ambos com 10 votos) – cada delegado votou em três nomes já que eram seis vagas restantes, uma vez que a região Centro-Oeste não pôde indicar outro membro.
Val Macambira e Aílson Godoy,
novos membros do CNPC, com João
Roberto Peixe, da SAI.
Por fim, depois de uma maratona de debates que incluiu a tentativa de incluir mais dois membros como suplentes que ficaram impossibilitados de chegar para a reunião por algum motivo – em geral por conta da dificuldade do próprio Minc em conseguir passagens  para todos –  o novo colegiado elegeu no voto os dois indicados ao Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC). Os escolhidos foram o maestro Amílson Godoy, representando a música erudita, e o baiano Val Macambira, representando a música popular. Os suplentes ao CNPC, a câmara alta da cultura no Minc, foram, respectivamente, Luís Felipe Gama, da cooperativa de música de São Paulo, e a produtora Alê Capone.
Uma das primeiras ações de membros dos colegiados e outros agentes engajados no processo é uma reunião em janeiro, no Rio, com a direção da Funarte para a elaboração de um Seminário Nacional da Música, a que propusemos etapas regionais antecipando a ação.
Meu relato não seria completo ainda se não registrasse que houve críticas implícitas e explicitas ao modo como FNM, CFE e outras organizações conduziram o CSM promovendo certo esvaziamento do mesmo, para o que muito colaborou também a gestão conturbada de Ana de Hollanda. Principalmente Manoel Souza Neto e Malva Malvar, de Sergipe, frisaram a necessidade do CSM promover uma mobilização e um debate aberto com as bases do fóruns, sempre difíceis de mobilizar. Ações práticas como a conduzida por Val Macambira e correligionários da Bahia e por Ale Capone, juntamente com o governo do DF tem tido êxito. Acho que o novo momento também coincide com uma nova articulação do Fórum Municipal de Belém, que reúne vários membros dos colegiados. Parece um novo momento. Tenhamos esperança e vontade de trabalhar. 

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