quinta-feira, 5 de junho de 2008

Qualquer bossa vale uma nota na Amazônia

Parte I


A contemporânea mudança de paradigma no consumo da arte, de forma geral, e mais especificamente da música popular, trouxe desafios gigantes à organização da classe artística de regiões periféricas como a Amazônia. Trouxe também desafio às políticas públicas de cultura. A despeito das políticas que se desenvolvem historicamente no Pará, de valorização e preservação de uma cultura regional (de concepção que ainda é alvo de muita controvérsia entre estudiosos da área), o momento histórico nos impõe a necessidade de pensar políticas públicas também voltadas ao mercado – sem deixar de lado, obviamente, as políticas de preservação de memória e culturas tradicionais e de socialização e democratização.
Essa necessidade se mostra maior do ponto de vista que um projeto de desenvolvimento regional sustentável não pode ignorar o potencial da produção artística além do registro histórico da cultura de um determinado espaço/tempo e como instrumento de formação de identidade regional. Além dessas características, a produção artística ganha contemporaneamente potenciais econômicos e sociais que somam ao seu potencial simbólico/antropológico.
A necessidade de um modelo de desenvolvimento social e econômico sustentável é uma realidade contemporânea muito forte na Amazônia. A produção artística, a sua valorização e a sua difusão dentro de uma esfera pública em formação ou em expansão e dentro de uma sociedade de consumo fortalecida pela estabilidade econômica vêm a ser um importante instrumento a favor de tal modelo.
A formação de um mercado e/ou de uma indústria cultural diferenciada da máquina de promoção ideológica representada principalmente pela cultura de massa norte-americana, torna-se possível na Amazônia no contexto político, histórico e econômico que começa se configurar. Isso porque a região começa a se inserir tardiamente no processo de globalização modernizando e potencializando sua produção econômica, justamente no momento em que o modelo neoliberal começa mais intensamente a ser questionado, principalmente na América Latina – e anuncia-se um possível declínio do império econômico norte-americano.
Os fatores propícios ao desenvolvimento de uma indústria cultural no Pará e na Amazônia são muitos, mas estão dispersos nas esferas cultural, econômica, social e política dessa configuração histórica. É urgente a necessidade de estudar esses fatores a fim de que as políticas públicas, as iniciativas da sociedade organizada e do incipiente setor produtivo (se é que ele já existe nessa área) possam de fato potencializar os benefícios que a classe artística e sua produção podem trazer a essa reorganização social em curso.
Vale, em se falando de música, analisar a crise que abalou a indústria fonográfica nacional e mundial na última década. Já são bastante conhecidas as mudanças que a Internet e a pirataria impuseram a essa indústria, mas há algumas ainda pouco difundidas. Durante muito tempo, artistas locais de produção autoral pautaram suas atividades buscando o reconhecimento externo e a inserção na chamada indústria mainstream. Mas a indústria, a despeito da crise ou não, raramente teve condições de absorver a diversidade da produção brasileira. Movimentos específicos acabaram incorporando, de forma suave eu diria, à música pop brasileira, fabricada no eixo econômico do País, um pouco da diversidade cultural brasileira.
Linguagens regionais, sem ignorar a influência colonizadora, como o samba, o forró, o brega, o axé ou o manguebeat, assim como tantos outros movimentos artísticos, imprimiram suas marcas na paisagem sonora promovida pela indústria cultural. Algumas mais suaves que outras. A expressão amazônica ou a produção de artistas da Amazônia quase nunca passaram de um retrato exótico de um país que não faz parte de fato da produção cultural imposta pela indústria que aí está.
A superação da crise da indústria, ou o início dela, anunciada, por exemplo, no último relatório anual de vendas da Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD), divulgado em abril, não aponta uma modificação significativa nesse cenário. As vendas de CDs e DVDs continuam em queda. Houve uma queda de 31% em faturamento e 17% em unidades totais vendidas no ano de 2007.
Ainda vale o argumento de que a baixa de vendas impede o investimento em novos artistas. Bandas como Madame Saatan e A Euterpia, que saíram de Belém para tentar a sorte em São Paulo, podem até vir a ser incorporadas ao mainstream ou a um estrato intermediário dessa pirâmide artística social. Mas, se ocorrerem, serão raras e valorosas exceções. Pelo menos é o que, acredito, se pode avaliar neste momento.

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