O “Diálogo Cultural”, realizado pela Regional do Minc Norte e Fundação Tancredo Neves na última sexta-feira no Cine Teatro Líbero Luxardo do Centur , juntou na mesma mesa os deputados federais Arnaldo Jordy (PPS) e Claudio Puty (PT). Pertencentes a bancadas de partidos opositores no Estado, Jordy e Puty afinaram o discurso em prol da Cultura da Amazônia e do Estado.
O discurso comum é a defesa do chamado “Custo Amazônico”, um princípio defendido e aprovado na II Conferencia Nacional de Cultura em Brasília pelas bancadas de representações regionais. Votação fortemente influenciada por representantes paraenses nos colegiados setoriais de cultura - estruturas de consulta institucionalizadas ao longo das gestões de Juca Ferreira e Gilberto Gil, que hoje compõem uma política de Estado, firmada com a Lei do Plano Nacional de Cultura, aprovada em dezembro passado.
A discussão não é nova. Segundo dados registrados pelo Minc há cerca de três anos, apenas 0,43% dos recursos da Lei Rouanet ficam na região, enquanto mais de 70% potencializam os investimentos culturais na região Sudeste do Brasil. Esse quadro já mudou, talvez os recursos no Norte tenham chegado a algo em torno de 1,5%, o que ainda está muito aquém das dimensões grandiosas da região.
O burburinho em torno dessa desigualdade regional não chega a sensibilizar representantes setoriais de outras regiões que ocupam os colegiados e o Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC), órgão formado por representantes dos colegiados e de outras instancias e que também fazem parte da institucionalização da cultura.
Tanto é assim que na última reunião do Colegiado Setorial de Música, em junho passado, coloquei a questão em pauta. Ela foi aprovada não como um princípio de isonomia da região Norte, mas indiretamente pela busca da igualdade entre as regiões, o que já seria um avanço significativo em relação a realidade que temos hoje. A questão, dessa forma, foi aprovada como prioridade nas diretrizes setoriais naquele colegiado. Mas não sem antes ser ridicularizada por membros do colegiado de outras regiões.
A questão do “Custo Amazônico” foi levada ao CNPC e lá, segundo Isaac Oliveira, um dos dois representantes do Pará no CNPC, pertencente ao Colegiado Setorial de Culturas Populares, ele foi vencido. Os argumentos dos conselheiros contrários é que não existem dados suficientes que comprovem que a região necessite ser tratada com diferencial em relação às outras regiões do país.
Esse possível dispositivo deveria estar contido na lei Procultura, que redefine os parâmetros e métodos de financiamento da produção cultural do País. O Procultura vai substituir a Lei Rouanet e incorporar outros dispositivos de financiamento, sendo o principal deles o Fundo Nacional de Cultura. O documento acaba de sair do CNPC e está tramitando nas comissões parlamentares antes de ser posto a votação no Congresso Nacional.
Se aprovada do modo como está hoje redigida, a proposta define que a renúncia fiscal, principal mecanismo de financiamento através da Lei Rouanet, será somada ao mesmo volume de recursos provenientes do orçamento do estado para multiplicar os investimentos no setor.
A luta das lideranças culturais nesse momento é para que o chamado “Custo Amazônico” seja incorporado ao texto nas tramitações dentro do Congresso. Para isso, Puty e Jordy, que compõem comissões diferentes, por onde o texto deve tramitar, acordaram a possibilidade de realizar audiências públicas no Pará e na Amazônia onde seriam discutido e argumentado de melhor forma o principio do investimento necessário para o desenvolvimento do potencial cultural da região.
Seria a Cultura o tópico capaz de juntar oposição e situação no Pará em torno de uma política comum de desenvolvimento do Estado e da Região? Coisa difícil de dizer na política paraense. Arnaldo Jordy esteve reunido com a Ministra da Cultura na presença de Lucinha Bastos, atual diretora de integração da Fundação Cultural Tancredo Neves. Jordy e Lucinha disseram ter boa acolhida na proposta. O MINC já tinha criado no ano passado um edital de pequenos projetos para a Amazônia, que desburocratizam e estimulam a pequena produção. Aliás, um dos argumentos de tão poucos recursos na Amâzonia é a falta de projetos consistentes e bem elaborados. Argumento que ora vai cair em descrédito. De qualquer forma, a classe de produtores e artistas tem muito o que rever nesse processo de transição. E tem que se preparar para um novo momento.
Custo amazônico?
Na minha opinião, a primeira coisa que deve mudar no discurso atual é o termo “custo”. O que se deve propor nesse momento é o desenvolvimento de um mercado cultural na Amazônia. Já está mais do que claro que as manifestações culturais de todo o tipo e os talentos em todos os setores, seja na música, no cinema, nas artes visuais, na dança, enfim, nos mais diversos segmentos da produção cultural brasileira e universal, existem e tem potencial. Potencial que na Amazônia, conciliando os fatores geográficos e históricos do país, encontra terreno fértil ao desenvolvimento de tal indústria.
Lembro os argumentos expostos no primeiro artigo publicado neste blog há três anos, quando falava da importância da Economia da Cultura e Economia Criativa para o Brasil, principalmente diante da atual configuração econômica mundial.
Quando foi escrito meu artigo, por circunstância da primeira crise econômica do século 21, disseram que era ingenuidade minha afirmar que o império americano estava em decadência. Hoje, por mais distante que essa realidade possa estar, ela é ainda mais factível do que naquela época.
No entanto, o primeiro desafio desse desenvolvimento é justamente mudar a nossa mentalidade. A incorporação do termo “custo” pelas lideranças culturais e políticas que começam a se apropriar desse discurso, e em alguns casos, fazendo dele bandeira política, indica facilmente a nossa inclinação mental e nos mostra como ainda pensamos pequeno. “Custo” em empreendedorismo é aquilo que onera o produto. Que o torna caro. No entanto, somando os valores sociais, simbólicos e ambientais presentes na Amazônia, os recursos aplicados aqui são, pelo menos na cultura, evidentes investimentos.
O desenvolvimento de uma economia da cultura tem potencial estratégico na afirmação de uma nação. Em primeiro lugar, sim, pelo seu fator simbólico de afirmação da identidade cultural deste país sobre os demais ou aos demais -- sem necessariamente imposições imperialistas como assim o fez o hoje arriscado império americano. Em segundo lugar pela dimensão econômica de seu desenvolvimento, que é estratégica diante do fator social e ambiental, uma vez que a difusão da cultura cada vez mais reduz impactos através do meio digital.
Os modelos americanos de megaeventos, que também promovem grande impacto ambiental, podem ser adaptados à nossa realidade, buscando tecnologias de produção próprias em parceria com os vizinhos americanos ou brasileiros mais avançados nesse processo. Poderemos enfim potencializar o turismo histórico e natural, o turismo cultural. Sabe aquela música “Vou destruir o Ver-o-Peso (...) Coitada da Cidade velha, que foi vendida para Hollywood” ?? Não precisa ser assim. Mas alguém tem que fazer um dia um filme digno da dimensão do que foi a Cabanagem, por exemplo. Seremos nós?
Simbolismo e política, teoria e prática
Chegou a hora do Brasil e da Amazônia assumir seu protagonismo. Não vamos desenvolver Economia da Cultura com a mentalidade de “pequenos projetos culturais” apenas. A Lei do Procultura define algo muito importante para todos os que produzem cultura na região e precisam sobreviver para continuar produzindo. Mas é preciso um programa específico, como o que já esta sendo pensado e proposto pela regional do Minc, como um PAC da Cultura para a Amazônia.
É preciso aplicar nesse momento os princípios econômicos de Keynes para desenvolver essa economia. É preciso investir em infra-estrutura: teatros, gravadoras, companhias de teatro, fábricas de instrumentos, estúdio de cinema, na recuperação do nosso centro histórico, em Educação - que na Economia da Cultura é tão fundamental quanto uma Transamazônica no PAC da economia tradicional.
Não dá para pensar só no meu disco, na minha peça, no meu festival etc. É preciso identificar os investidores potenciais, os empreendedores que já tem know how e experiência e que podem conduzir esse processo em seus setores. Àqueles que podem achar que a indústria fere a magia, o encanto ou a mística, ou a identidade da cultura local, é preciso dizer mais. O modelo de desenvolvimento, nós vamos escolher com participação. A cultura muda, isso é fato. A cultura sobrevive, se adéqua, se transforma. E isso dependente da nossa disposição para digerir e dirigir as políticas públicas. Depende de nós. Nós podemos?
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