segunda-feira, 13 de julho de 2009

Homem Gabiru

O professor Ricardo Pereira, que já tem história no rock paraense, do punk ao blues, atuando em grupos como Desesperados, Ácido Cítrico, Blues Pirata e até Delinquentes,está na final do Festival RBA de Música. A faixa "Homi-gabiru",que mistura blues e repente nordestino, está entre as doze finalistas que se apresentam no dia 6 de agosto, vai integrar tanto o CD quanto o DVD do festival. É o próprio Ricardo quem explica a origem da música:


Em 1989, participei com minha antiga banda, Ácido Cítrico, do Festival QUARUP - Cultura e Liberdade, realizado em Vila Velha - ES. No caminho, por algum motivo - do qual já não me recordo - nosso ônibus ficou momentaneamente impedido de seguir viagem. Estávamos na cidade de Afrânio, sertão pernambucano. Cada um da banda - e todos os outros participantes paraenses (cerca de 40 artistas no bus) - foi buscar o que fazer. Eu gosto de mato, de sertão, não sou afeito a cidades.
Caminhando pela caatinga encontrei dois guris carregando nas mãos dois animais: um iguana (que aqui em Belém chamamos jacuraru) e um ratão-do-sertão (que lá eles chamam de gabiru). Puxei conversa, quis comprar, mas, desconfiados, eles negaram. A alegação: "É pra nóis cumê, mais nossos pai e nossos irmão!".
Aquilo foi um soco em meu estômago. Só então percebi, de fato, onde estava. Sertão Nordestino. Lugar em que habitam seres carentes de tudo e que só têm - como eles mesmo dizem - Nossu Sinhô pra nus provê!
Quase perdi o ônibus, mas não perdi a conversa. Fiz os moleques me levarem na casa deles e lá travei contato com algo que tinha lido há pouco tempo na VEJA: o homem-gabiru. Essa tese - muito em voga nos anos 80 e hoje rebatida por muitos pesquisadores - defendia, entre outros pontos, que o homem sertanejo pela desnutrição (ou sub) estava apresentando estatura baixa (em média 1,40), peso compatível à estatura, baixo rendimento intelectual e problemas na fala (dicção dificultosa). Enfim, sem querer me alongar, tratava-se de um indivíduo que sem ser anão possuía crescimento anormal, além dos outros problemas citados. Eu vi tudo isso no pai dos garotos de Afrânio. Inevitável foi seguir minha viagem pensando nisso tudo.
Quando em Vila Velha cheguei, o texto estava prontinho, do jeito que é hoje. Não mudei uma vírgula. Lembro-me de que recordei na época uma frase de Zé Ramalho ao comentar o processo de criação de AVOHAI: "Essa música eu não escrevi, não a trabalhei. Na verdade, eu a psicografei... Ela estava lá prontinha na mente. Só escrevi o que meus pensamentos mandavam!". Guardadas as devidas proporções entre o mestre paraibano e eu, foi assim que aconteceu comigo ao escrever essa canção. Originalmente um repente, ela apareceu na minha mente.
Mostrei aos componentes da banda, dizendo-lhes que queria tocar aquele texto em uma mistura de repente e blues. Como era de se esperar os "jazzísticos" da banda torceram o nariz. Só o Edmilson Cadeth, baterista e meu grande amigo e seu irmão, Elias Cadeth, viajaram na história, mas como éramos "voto vencido" a letra foi para a gaveta.
Algum tempo depois, após o término da banda, resolvi tocar essa canção e outras que possuo em minhas aulas de introdução à linguística para meus alunos, demonstrando-lhes a variação na linguagem decorrente de fatores regionais e socioculturais. O resultado foi interessante, melhor que teoria o aluno ouvia as variações em "Hômi-gabiru" e "Pai-dégua!" - em que exploro o "falar paraense".
Esse ano, por sugestão de Edmilson, resolvi inscrever às pressas Hômi-Gabiru no I Festival de Música Paraense da RBA. Qual não foi minha surpresa ao receber a notícia de que havia sido selecionado entre as mais de 600 canções inscritas. Ficamos entre as 24 selecionadas para as duas eliminatórias (doze em cada uma). Acabamos ficando entre as 6 melhores da primeira eliminatória (junto a gente de peso e acostumada a festivais, como Ivan Cardoso, Alcyr Guimarães, Yuri Guedelha, Almino Henrique, Jacinto Kawhage e outros), o que nos credenciou a participar da final agora no dia 06/08/2009, na qual participarão as doze classificadas.

Um comentário:

Lutti disse...

Ricardo Pereira é realmente um músico excelente! Abraços, grande professor!