terça-feira, 27 de julho de 2010
A redenção de um conjunto de rock
Vou ficar
Como sempre invisível
Nunca mais
Nada foi tão incrível
“Epilogo: outro dia” – Stereoscope
O que é a magia de ser uma banda, ou melhor, um conjunto de rock? Sonho que seduziu e continua a seduzir milhões de jovens pelo mundo a fora. Muita gente já deu muitas explicações, científicas, sociológicas ou antropológicas para o que leva jovens se juntarem em torno de alguns instrumentos, alguns acordes e algumas canções, às vezes toscas, às vezes geniais.
Chamar a atenção das garotas, ganhar dinheiro, provar aos pais que você pode, sim, ser alguém na vida fazendo apenas o que quer fazer, divertir-se e fazer parte de uma gangue, de um grupo social, ou nem tão social assim. Todos esses são motivos muito plausíveis para se montar um conjunto de rock. As canções, às vezes, ficam em segundo plano.
Sem ter a pretensão de responder a todas essas questões, mas com alguma ambição nesse sentido a banda paraense Stereoscope fez “Conjunto de rock”, álbum lançado este ano pelo selo Senhor F Discos, de Brasília, produzido por Philippe Seabra, da Plebe Rude.
O disco de Jack Nilson, Marcelo Nazareth, Ricardo Maradei e Daniel Pinheiro, de muitas formas, como eles próprios admitem, é meio tosco (lo fi?!), genial e desconcertantemente sincero. Os caras se concentraram em fazer um álbum conceitual sobre algo tão “banal” quanto ser um conjunto de rock. Não deveria ser alvo para a dialética marxiana ou qualquer existencialismo nietzschiano, mas é de tal importância para milhares de jovens, principalmente aqueles que chegam aos 36 sem ter concretizado o sonho de ser famoso e rico com uma guitarra pendurada entre os ombros.
O disco do Stereoscope é um tanto nostálgico, um tanto existencialista, mas acima de tudo é um bom disco de rock. Um subproduto?! Talvez. Mas nem tanto. Até um tempo atrás apenas excêntricos, famosos e endinheirados artistas poderiam fazer algo parecido. Hoje o rock é produto da aldeia global. Tem rock em Istambul e por que não em Belém do Pará?!
Na medida errada da humildade e da excentricidade dos novos roqueiros “Conjunto de rock” não supera o disco de estréia “Radio 2000” (2004) mas está um passo a frente do ainda incompreendido “O Grande Passeio do Stereoscope” (2007). Tem grandes momentos de inspiração.
O dilema de tocar em uma banda de rock está presente desde a primeira faixa, em que Ricardo Maradei questiona a “sua” ocupação, “sua” profissão. Um herói escondido, ou disfarçado, como o personagem Clark Kent, que empresta seu nome ao título da música. Jack Nilson parece completar o raciocínio do parceiro em “A doce vida”: “todo mundo que ser um alguém especial, igual se vê na TV e que não se crê”.
Pela qualidade das canções, essa não seria a melhor ordem de apresentação, há músicas melhores que qualquer produtor “forçaria a barra” para colocar como primeira faixa. O disco parece contar uma história linear, a partir do entendimento do dilema existencial de ser roqueiro aos 30 e poucos anos. Nisso, ponto para Philippe Seabra, que deixou os meninos a vontade.
Após a instrumental “Prólogo: fim da linha”, os temas prosseguem. “Pobre menino rico” e “O Rei sozinho” parecem revelar uma sinceridade atordoante sobre a excentricidade de qualquer jovem que aspira a ser um rockstar. “O Rei Sozinho” é de longe uma das três melhores canções do disco. A outra é a faixa título, com a sua claque de meninas gritando enquanto Jack Nilson canta “Se você quiser montar um conjunto de rock / posso te ensinar uns acordes, é só emprestar de alguém um violão / tem que providenciar umas boas gravações / e maltratar uns corações (...)”.
É uma ironia, mas é a mais verdadeira das verdades fúteis de ser um conjunto de rock.
“Canção que não toca no rádio” reclama do padrão que ao mesmo tempo propicia que qualquer um possa ter uma banda de rock e exclui os fora dos padrões do showbusiness. Padrões muitas vezes difíceis para “uma banda latino americana do extremo norte do Brasil com nome em inglês, mas que escreve, pensa, toca e canta em português”, como escreve Nilson em uma das capas internas do disco.
As ironias, os reclames, os dilemas continuam, confrontando o descompromisso que a empreitada exige: “O louco”, “36 anos”, “Serenata pequeno-burguesa”, “De volta a central do Brasil”, “Gran Festival II”, que Maradei alega ter composto apenas para completar as 12 canções do disco. O “Epilógo: Outro Dia”, com cara de epíteto, encerra uma jornada incrível. Parece uma despedida. A despedida de jovens que deixam de ser jovens, que chegam à maioridade de maneira nostálgica, mas sem rancor. Afinal, como diz a letra: “Só assim fui atrás alcançar o que ninguém acreditou”.
O sonho acabou?! Poderia ser a redenção, mas os sonhos são bem mais complicados de realizar quando são ditados pelo showbusiness. E provavelmente o disco do Stereoscope vai ser menos percebido do que merece.
Mas deixo uma ultima observação. Antigamente, as bandas de rock, além de ganhar garotas, dinheiros e carrões, também queriam mudar o mundo.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Texto bom!
Apesar de eu não ter escutado,ainda, muitas músicas da banda, mas parece ser inovadora. Gostei do climax: "Mas deixo uma ultima observação. Antigamente, as bandas de rock, além de ganhar garotas, dinheiros e carrões, também queriam mudar o mundo". Isso tem tudo a ver com o que foi exposto nos parágrafos anteriores. De fato, as bandas paraenses de rock são boas, porém, não ganham tanta notoriedade, o que é lastimável.
Abraços,
Lorena Moreira.
Obrigado, pela visita lorena.
Stereoscope não faz o rock que estou mais acostumado, mas é uma das poucas boas bandas de verdade. Muito que se diz sobre novas bandas paraense é muito generoso, pois a maioria delas ainda precisa evoluir muito. Mas Ricardo, Marcelo e Jack, são acima de tudo bons compositores, e valorizam seu som com essas boas canções. Ademais, a gente sempre louva vida inteligente no rock.
Bjos.
Postar um comentário