sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O lado dos Porongas

Passam alguns minutos das 10 da noite quando chego ao Parque dos Igarapés, com minha amiga Karine Pedrosa, para o lançamento do Prêmio Curupira de Música Independente, uma iniciativa que promete marcar um novo momento da música do Pará, juntamente com outra série de acontecimentos importantes. Parece que é cedo para as festas no Parque. Los Porongas estão passando o som. Eles são, sem dúvida, a principal atração para os indies e roqueirinhos que compareceram à festa. Nem tantos assim. No geral o público é bem diverso e disperso, o que valeria mais tarde a sentença de Karine de que Belém vive uma revolução burguesa tardia. A sentença fica por conta da interpretação dos leitores.

Um amigo ligado na produção do evento me dá a dica, o furo da noite. João Eduardo, guitarrista dos Porongas, está de saída. Os Porongas são uma daquelas bandas em que seus integrantes vivem como irmãos e tal cumplicidade gera um som tão novo quanto autêntico e honesto. “Entrevista ele. É um furo”, garantiu meu amigo. Eu compro a ideia e na sequência já me vejo no chalé onde eles estão hospedados.

Poucos minutos depois, estou sentado na cama do vocalista Diogo Soares. Magrão, o baixista, e Anzol, o baterista, estão cada um em uma das quatro camas que ocupam o único cômodo no térreo do chalé. Karine, que insistiu em vir comigo, está sentada na outra, dedilhando o violão de João. “Diz que eu sou a nova estagiária da Pro Rock, prometo que não vou atrapalhar”, disse ela, empolgada com a ideia de acompanhar a entrevista.

O mote da conversa não é a saída de João, mas a mudanças que culminaram com o momento do segundo disco, “o segundo depois do silêncio”, contemplado com o Prêmio Pixinguinha, da Funarte. A produção foi conduzida pela banda tendo a frente das gravações João, que está de saída justamente para trabalhar a perspectiva nova de compositor e produtor. Após quatro anos em São Paulo com a banda, João disse que sai com as bases firmadas para o novo desafio. Carlos Gadelha o substituirá.


Gravado em São Paulo, ora em casa, ora em estúdios de músicos amigos, o disco foi lançado em fevereiro no Acre. Ainda não está nas lojas, mas vai chegar através do selo Baritone e da distribuidora Tratore. Em junho o disco foi disponibilizado pela banda para download. “Penso que é uma atitude de elegância, condizente como o nosso tempo. Não vamos ganhar dinheiro com o disco, podemos ganhar com os shows, com merchandisign”, explica Diogo, ainda tentando se adaptar às mudanças estruturais do novo empreendimento.

“Estamos sentindo a necessidade de viajar com um produtor, estamos trabalhando com uma equipe de produtores amigos. Com assessoria de imprensa da Renata Dornelles, que está dando super resultado. O disco já foi resenhado na capa do caderno de cultura do Correio Brasiliense, no Zero Hora de Porto Alegre, e em outras capitais do País. Só não saiu na Folha e no Estadão porque ainda não chegou nas lojas”, prossegue Diogo.

Esse novo momento dos Porongas parece conciliar, como em uma das canções do novo disco, os dois lados de uma mesma moeda. A paixão e a busca de um profissionalismo. “Não existe um emprego que eu queira mais nesse momento do que ser vocalista dos Los Porongas”, confidencia Diogo.

A profissionalização, aliás, está na base das mudanças que deram o resultado estético desse novo disco. Magrão é o único que não largou o emprego diurno, ainda trabalha no banco. Mas vive a música muito mais. Pela primeira vez teve aulas de contrabaixo. Anzol, que já era o principal instrumentista quando a banda saiu de Rio Branco, há quatro anos, também tem se dedicado ao estudo do instrumento.

“O que mudou basicamente é que há quatro anos nos éramos todos funcionários públicos. E hoje nós somos muito mais músicos. Não tem como você não evoluir se dedicando exclusivamente a isso. Querendo apenas isso como sua profissão mesmo”, conta Anzol.

O processo ajudou. No primeiro disco, lançado pelo selo Senhor F, foi gravado em Brasília, com Phelipe Seabra, a banda tinha, basicamente, baixo, bateria e guitarra. Neste novo trabalho, sem a imposição do relógio no estúdio, ousaram gravar viola caipira, teclado, programações e percussão. “É diferente gravar em casa. Você para, fuma um baseado, pensa mais na música, volta para gravar”, diz Anzol.

Mas claro que não foi só o processo. Mudou muita coisa porque são pessoas e músicos diferentes hoje. Ver e conviver com outros músicos, como eles tocam e cantam é uma citação de Diogo, que se refere a Tulipa Ruiz e Hélio Flandres, do Vanguart, entre as pessoas que lhe ajudaram a entender um novo jeito de cantar. O contato com Dado Villa-Lobos, que produziu uma das músicas do disco, também colaborou com isso.

“O silêncio...” parece um grande experimento onde os Porongas exercitaram e evoluíram o seu jeito de fazer música.



Paixão versus política


A paixão, o outro lado da moeda. Quando Dado Villa-Lobos soube que eles largaram tudo no estado de origem para tentar a vida como músicos em São Paulo, disse: “pensei que não existisse mais esse tipo de malucos”. Essa paixão é o que os motiva. Mas tem também as desilusões, que são sempre boa munição para canções.

A paixão se contrapõe à política. E por isso mesmo eu titubeio em falar no assunto que há cinco anos parece dominar a cena independente brasileira, desde o surgimento do Circuito Fora do Eixo, ao qual a banda esteve muito ligada no início. Mas Diogo parece não se incomodar. Reconhece a importância e fala com segurança das ações do FDE. Cita também o programa Conexão Vivo, que ele considera a melhor plataforma de circulação do país hoje. Mas garante que o caminho na música vai além disso.

“Sempre penso que a política é uma força de conservação, enquanto que a arte é uma força de transformação. Toda situação política exige tato para você lidar com o poder, com um engajamento necessário. E a gente quer é fazer música. A gente quer tocar.
A gente tem se pautado nas parcerias. Na vontade das pessoas se conhecerem, de confiarem e quererem fazer as coisas juntas”, conta ele.

A fala mansa e segura e uma atitude que não demonstra nem ressentimento nem empolgação parece camuflar a crítica mais dura que vem a seguir. “A gente mesmo é bem outsider disso. Vivemos nos quatro anos que estamos em São Paulo bem longe do Fora do Eixo, e o próprio circuito não fez muita questão de saber como se relacionar com os Porongas. Às vezes fico muito temeroso com esses discursos coletivistas, principalmente quando há uma exclusão velada. Só não incomoda mais porque a gente está fazendo o que a gente vive, o que a gente escolheu”.

Após a entrevista, durante o show, quando Diogo tocou “Fortaleza”, a climática faixa de seis minutos que abre o disco, mandou um recado: “Essa nós fizemos por causa de certas exclusões veladas que existem na cena independente”. Na faixa ele instiga: “Como é que vão dizer o que não é e você vai ficar calado?”. E como se estivesse reafirmando o papel da arte sobre a política quando pergunta: “Quem vai poder plantar as flores que nascem na cabeça?”.

Com crítica ou sem crítica, o fato reconhecido pelo amadurecimento dos músicos é que, “no começo era tudo mais desarticulado. Hoje em dia o deslumbre com um falso glamour é muito menor.” E isso se deveu a toda essa movimentação da cena independente, com a qual, sem dúvida, o Circuito colaborou muito.

O papo também não poupou a nova Ministra da Cultura, Ana de Holanda, que, segundo Diogo, parecia não entender o que estava sendo feito antes dela chegar. “Isso é comum nas políticas culturais no país inteiro. Aliás, não só nas políticas culturais. Entra um novo governante e interrompe as políticas que foram construídas com a comunidade. Acho que isso é uma mazela da nossa democracia”.

Diogo garante que é um direito do Fora do Eixo reivindicar uma política que ajudou a construir com a participação das pessoas. Por outro lado, as políticas culturais ainda permitem prêmios editais como o Pinxiguinha. “Talvez isso [o encerramento de um ciclo na política pública] instigue ainda mais as bandas a fazerem os seus corres independente de apoio de governo”, opina Anzol.

Mas não dá para se iludir. Não existe maneira de se manter em São Paulo tocando na Augusta. “O custo de vida de São Paulo é muito alto. Comparável a Manhattan. A cena independente não está tão estruturada a ponto de garantir a sustentabilidade das bandas”, diz Anzol. “Não existe fórmula”, completa Diogo. De qualquer modo, “a vontade do cara tocar guitarra e montar uma banda sempre vai existir”. As lições de oito anos de carreira e quatro morando em São Paulo continuam: “O que você precisa entender é que a gente vive num mundo capitalista e se você quer viver de música você precisa se adequar a seu tempo.”


Não tem nem meia hora de gravação e o papo parece que durou muito mais. João chega e confirma tudo que foi dito sobre a sua saída. Depois da confraternização com os músicos de Saulo Duarte, a gente se despede para a banda se concentrar antes de ir para o palco. No caminho de volta para a festa, Karine pergunta: “Só uma dúvida de estagiária, naquela parte em que ele diz que fumava um baseado entre uma gravação e outra você transcreve exatamente o que ele disse?”.

Voltamos e o público tinha aumentado. Até as 7h da manhã muitas pessoas se confraternizaram ao som de 12 curimbós ritmando o swingue da Música do Pará.


Quebrando o Silêncio


“O segundo depois do silêncio” começa com “Fortaleza”. Climática, a faixa tem seis minutos de uma poesia meio ressentida, meio magoada. Os efeitos e os arranjos são grandiosos. O clima é de expurgar, de liberar certa raiva: “No lugar de onde nunca vim / que amigos já não sei quem são? / Do que eu me esqueci por indelicadeza?”.

“Cada segundo” começa com belas frases de guitarra, sob um arranjo que mantém o clima etéreo dos teclados e efeitos. Melodias belíssimas duelam com a poesia passional de Diogo. E o expurgo continua: “O mar do medo é uma gota pra se navegar”.

O clima progressivo segue com “Bem Longe” e a grandiloqüência dos arranjos já quase demonstra cansaço, quando “Dois lados” nos salva. Não adianta. É um disco para ser contemplado e se você não tiver disposição para desvendar as melodias e letras, então não perca seu tempo. É um disco para ser descoberto. “Quando o barco balançar / Você vai permanecer / Eu pulo”. Os metais e a viola caipira no arranjo de “Dois lados” faz dela uma das melhores do disco.

As faixas são longas, mas as letras e as melodias grudam, contrariando as formulas de bolo das canções radiofônicas. A comparação com a Legião Urbana é inevitável nem tanto pela estética, mas pela postura. E Dado Villa-Lobos imprime sua marca com a produção de “Sangue novo”. Durante os solos de guitarra parece que estamos diante dos melhores momentos do pós-punk brasileiro. “Silêncio” é a música de trabalho, tem menos de quatro minutos e virou o primeiro clipe.

No próximo destaque, Hélio Flandres empresta seu jeito blazé para tornar “Mais difícil” uma balada blues de doer no coração. Nessas horas a gente pensa que muito das críticas a alguns emergentes e independentes artistas está contaminada com a política e menos tem haver com música. E dá para entender (lembrar?) onde reside o sentimento que nos provoca que nos instiga na música.

E já não bastasse tudo isso e o que ainda nos resta até chegar à última das 12 faixas do disco, Mauricio Pereira (Ex-Mulheres Negras) é mais um a abençoar a escolha dos Porongas pela música. Ele encerra o disco com a participação em “Longo Passeio”, onde finalmente a melodia já não precisa nem de letra para te pegar. Se fosse um “papapá” fácil de qualquer banda de power pop seria bem diferente. Mas não se trata disso. Não é um disco fácil. É um disco raro.


*Nicobates foi ao lançamento do Prêmio Curupira Antenado a convite da organização do evento. As fotos são de Nayane Muniz e de Thiago Araújo e foram fornecidas pela produção do evento.

7 comentários:

jorge anzol disse...

Lindo texto Nicolau!! Espero q a minha mãezinha não o leia, ela não vai gostar nada nada de saber q o filho dela anda fumando maconha em SP rsrsrsrs...Já não se fazem mais rockers como antigamente não é mesmo? rsrs Um grande abraço!!

coisas de negro disse...

...matéria simples como ,o so m dos porongas mas diz tudo o q tem pra dizer...
...a gora falta falar da jam-bú session e do ,carimbó de icoaraci>>>

Anônimo disse...

Muito bom o texto e legal também os comentários sobre o álbum novo dos Porongas.

PS: Sempre haverá pessoas pra minimizar o trabalho foda dos Acreanos como o Coisa de Negro aí acima, mas faz parte...

Bárbara Andrade disse...

Esse dia foi inesquecível, o show foi inesquecível. Eu não gostaria de ter perdido esse show.
Los Porongas é a melhor banda do Brasil. E eu acho isso há 6 anos.

Karine Pedrosa disse...

"...a poesia passional de Diogo"



Belo texto, Nicolau!

Karine Pedrosa disse...

parabéns pelo texto, honesto e descontraído como deve ser o meio musical.

Caquiados disse...

De vez em quando o Nicolau me escuta e tem esses momentos senscionais. Bom texto.