sábado, 28 de junho de 2008

Cirurgia pop de poesia

O poema postado abaixo foi musicado por Vitor Ramil e gravado pela primeira vez em "Longes", de 2004. A canção foi regravada no álbum mais recente do compositor gaúcho, o imediantamente posterior "Satolep - SambaTown" (em parceria com o percussionista Marcos Suzano), lançado no ano passado pelo selo MPB da Universal Music. Foi o primeiro disco do cantor distribuído por uma major desde 1987, quando saiu "Tango", pela EMI.

Vitor Ramil estreou aos 18 anos em 1981 com "Estrela, estrela" (Polygram), cuja faixa título foi um grande sucesso e teve até hoje várias regravações, de Gal Costa, ainda nos anos 80, a Maria Rita, neste século. Antes de "Tango", seu terceiro e talvez mais cultuado disco (principalmente pela versão dylanesca Joquim e pela militante Loucos de Cara), ele ainda lançou "A Paixão de V segundo ele próprio" (Som Livre/RBS, 1984).

Depois de 1987, Vitor sumiu de vista do Grande Brasil e, fixando residência no Rio de Janeiro, se dedicou a shows e sabe-se mais a quê. Talvez ao amadurecimento de sua literatura. Atravessou um período de transição econômica e deve ter sofrido as agruras do mercado. Só voltou a lançar disco em 1995, oito anos depois. "À beça" saiu encartado na revista Capacete, de Porto Alegre, ao mesmo tempo em que ele lançava-se na litaratura com "Pequod". O disco tornou-se logo conhecido dos cultuadores de Vitor mas teve somente 3 mil cópias lançadas. A master dele foi perdida, impossibilitando assim seu relançamento.

"À beça" externou os primeiros estudos do que o compositor viria a definir como "Estética do frio". Voltou-se do centro econômico do País, onde certamente enfrentou dificuldades para afirmar sua arte rebuscada para os padrões comerciais, para o Sul, e iniciou sua transição para a gerência de seus negócios artísticos de forma independente. O disco posterior, "Ramilonga" (1997), já saiu com a marca do selo independente Satolep Discos, referência anagramática a sua cidade natal, Pelotas, contida já no disco de 1981.

"Ramilonga" reverencia a cultura regional riograndense e sai financiado pelo Fumproarte, da prefeitura de Porto Alegre. Foi também o último disco, numa série ininterrupta, que traz sua aura de "obra-de-arte pop contemporânea" imaculada (se é que se pode ter tal definição como algo imaculado!!).

"Tambog", de 2000, traz regravações dos discos "Estrela, estrela" e "À beça" juntamente com músicas inéditas. Ainda que seja um disco de unidade conceitual como todos os de Vitor, ele traz essa característica marcada fortemente pelo marketing: tornar públicas canções marcantes tanto para a trajetória do artista quando para seu público. Dos três primeiros discos de Vitor por gravadoras grandes, os direitos autorais de dois deles ("Tango" e "A Paixão de V...") foram recuperados pelo artista e relançados pelo selo Satolep Discos. Mas "Estrela, estrela" continua inédito em CD até hoje. E "À beça" não pode ser relançado porque, como eu disse, se perdeu. "Eu não poderia deixar para trás uma canção como 'À beça', que é tão importante na minha produção e define minha arte", disse Vitor a mim por ocasião do lançamento de Tambong em Belém, anos atrás quando eu era repórter de O Liberal.

"Longes", lançado em 2004, retoma o conceito e a pureza da obra única, apenas com músicas inéditas. O belíssimo disco traz a primeira versão de "A word is dead", de apenas 45 segundos; reforça a estética do frio com canções de melancólia serena; reverencia e contradiz Chico Buarque em "De Banda" e aproxima mais uma vez a música da literatura.

Com Satolep - SambaTown, Vitor volta a pender para o lado pop novamente, regravando canções com a levada rítmica de Marcos Suzano, que se tornou quase uma grife na MPB pop de Lenine e Paulinho Moska. Há uma estratégia clara nisso: o primeiro disco distribuído por uma multinacional tem muito mais condições de popularizar músicas marcantes e provocar a curiosidade dos neófitos sobre a discografia anterior do compositor. "A ilusão da casa" (inédita de Tambong) e "Café da Manhã" (de À beça) estão no disco em versões mais palatáveis. "A word is dead" deixou de ser uma vinheta poética de impacto certeiro ao ouvido treinado apenas para se tornar quase um refrão de 1:30 minuto, fácil de cantarolar e decorar já na repetição dos versos.

Vitor segue assim em sua fase independente: alternando obras complexas e densas com lançamentos um pouco mais comerciais, aproveitando o máximo de sua rica produção. O faz de maneira justa e honesta pois seu texto é superior a quase tudo que se encontra no mainstream da MPB contemporânea, que lança a cada ano grandes projetos caça-níqueis, de Maria Rita a Seu Jorge. Transformar a profundidade cirurgica de Emily Dickson em algo pop é, no mínimo, admirável.

5 comentários:

Anônimo disse...

super gostei! Veja só... eu fui até a comunidade do cara no orkut e lá vi um tópico seu fresquinho dizendo pra gente vir aqui...rs Muita coincidência, né? Não sou fã dele, mas gosto de umas músicas bem boas, que eu ouvia na Belém FM (extinta). Putz, era só ali possível ouvir Vitor Ramil e Nei Lisboa e mais um bando de outras coisas que não tocavam em lugar nenhum (as bandas locais com suas demos chiadas). bjs (do Academia ;))

Anônimo disse...

Em off, please (pq eu fui procurar o Vitor Ramil: pq eu o vi há pouco no programa Raul Gil fazendo uma homenagem para os irmãos mais famosos dele). rs

Nicolau Amador disse...

oi, Alê, que prazer revê-la por aqui. O Vitor é muito bom. E no Raul Gil, hein?! POis é, nos anos 80 o Kleiton e o Kledir foram importantes, fizeram contatos e tals, produziram até o segundo disco dele. E agora que ele está com esse disco distribuido pela Universal quem sabe não consegue um pouco de desaque também. Ele até ganhou premio TIM de melhor cantor. Dê uma olhada no site dele www.vitorramil.com.br

Saudades suas.
Bjos.

Anônimo disse...

Não acredito em coincidências, mas em "sintonia". Ontem a noite tava re-ouvindo meus cds do Vítor, herança para a minha Clarice, que desde a barriga já gosta do que é bom :) E hoje, finalmente venho conhecer teu blog e eis que encontro o Vítor por aqui...
Adoro o Ramilonga e aquele com a capa vermelha, o penúltimo, antes do Satolep. Aliás, acho que não tem nenhum q eu não goste...
Vou ver o tal bafafá no dia do rock, aliás, o rock é canceriano? Se for, isso explica as mts causas "família" que ele abraça, hehehe.

Bjs em vc e na Cecília.

Nicolau Amador disse...

Dani,
umas músicas mais singelas da primeira fase da carreira de Vitor que eu gosto muito é "Clarisser", que é uma homenagem a Clarice Lispector. Você conhece?! Eu adoro.
Obrigado pela visita e pelo carinho. Coisas boas pra vc e pra ela.
Rock canceriano?!! Pois é... canceriano sem lar, diria Raul.
Bjão.