sexta-feira, 13 de agosto de 2010

On The Road com Os Astros do Seculo

Cordeiro, em foto de Ana Flor, no palco Bafafá Pro Rock no Festival Se Rasgum, em 2008, tocando com o Clepsidra

Segunda parte

21h. Estou no quarto do hotel em Castanhal com os “Astros do Século”. Nele, estão os “astros” Mauricio Panzera e Arthur Kunz, dupla de músicos que além de tocar com o Clepsidra acompanha muita gente boa e jovem na nova música popular paraense, ao lado de Renato Torres. Ao invés de tietes e drogas, o quarto é ocupado pelas namoradas dos dois, que vieram junto com a banda, e pelo som da televisão. Vira e mexe alguém oferece um biscoito. Tudo muito tranquilo e comportado.

Kunz, aos 25 anos, é o mais jovem. Sempre ligado em música, fala sobre o Jonas Brothers quando eles aparecem na TV, e conta que bateu o carro uma vez, quando ia ao show do Clepsidra, tentando descobrir o compasso de uma música que tocava no cd player do carro. “Era uma música muito complicada, num compasso 9 por alguma coisa que eu não conseguia descobrir. Quando vi, já tava dentro do outro carro. Passei o resto dia comprando peça pro carro. Cheguei no show tenso.”

Mostro para Kunz um vídeo dele tocando na mostra musical Bafafá Pro Música do ano passado. Ele se surpreende quando vê o público aplaudindo depois da música. “Eu tava nervoso que nem prestei atenção que a galera tava curtindo. Enfim, essa foi a minha primeira apresentação desse trabalho solo”, diz o baterista que também é arranjador e compositor.

Deitado, Panzera fala pouco. Mais tarde ele seria apresentando por Felipe, no palco, como “o sábio”. A sapiência de Panzera parece estar no produto de grande abstração e reflexão. Uma cara calmo de papo manso desde que eu o conheço há alguns anos. Quando fala diz que Felipe está cantando melhor. “Ele ta pegando cancha. Há dois meses não cantava tudo isso. Está mais seguro.”

Vira e mexe, Felipe aparece no quarto. Traz o violão para trocar as cordas e os três comentam as músicas. Algo que saiu errado na noite anterior começa a ser corrigido no quarto mesmo, com conversas e breves análises de passagens das músicas. Coisa de músicos que trabalham muito e tem pouco tempo para muitos e detalhistas ensaios.

(Em outro quarto, Leo Chermont e Junhão trabalham em sua workstation móvel gravando levadas para um disco que dizem ser composto apenas em quartos de hotel, um dos vários projetos do coletivo Floresta Sonora, ao qual pertencem.)

Algo quase tão importante para eles quanto a música é o visual do show. O jogo de poder e egos, que existe em qualquer banda de rock ou pop, se mostra acirrado no pouco momento em que os “Astros” se reúnem, porém é mais uma brincadeira e um modo de aliviar as tensões pré-show. Mais cedo, na van, Kunz e Leo Chermont trocaram piadas breves sobre quem iria roubar a cena. “Hoje eu vou roubar a cena tocando bateria”, disse Kunz para Léo.

Kunz quer tocar com a máscara do demônio que ele trouxe para compor seu visual kitsch no show. Mas o fone de ouvido que solta os clique do metrônomo não permite. “Eu to pensando em tocar sem clique, é que eu uso apenas no começo de algumas músicas para ter a noção do andamento. Mas acho que talvez possamos fazer um show mais solto hoje mais descontraído.”

O telefone toca. É Leo Chermont convidando Kunz para participar do disco de quarto de hotel. “Não obrigado. Tô aqui com minha namorada e meus amigos Panzera e Nicolau, não vou aí, não”. Kunz desliga e diz com um tom que não deixa ter certeza de que ele está brincando ou falando sério: “Esse Léo é maluco. Diz que tá fazendo uma música chamada quarto 38. Mas ele está no quarto 13. Não tem o que fazer.”


21h25. Adelaide e Luiza que estavam dormindo no quarto, ligam para avisar Felipe que estão se arrumando. Hora de pegar a van para o show. O hotel Durma Bem fica a poucos quilômetros da Praça da Estrela, mas já estamos saindo meio atrasados.

Kunz, em mais um registro de Ana Flor, apresentando seu projeto solo no Bafafá Pro Música em dezembro de 2009.

21h56. O motorista bate a chave no contato da van mas ela não pega. É a bateria. Felipe mostra preocupação e sugere que todos peguem um táxi para ir ao show. Chermont diz que se é bateria basta empurrar a van que ela pega. E todos descem para empurrá-la, menos as meninas, é claro. A brincadeira sobre os astros do século que empurram a van é inevitável. “Essa vai ter que ir para a matéria.” E o pior: depois de três tentativas constatamos que o motorista não sabe fazer a van pegar no tranco. Digo que é melhor o Léo tentar, e sem cerimônia ele manda o “motora” descer da van. Léo vai e faz a van pegar na primeira tentativa.

“Taí, Kunz, quem roubou a cena agora foi o Léo, que fez a van pegar no tranco”, brinco com o baterista. Seguimos para o show.


Passa um pouco das 22h e Felipe Cordeiro e os Astros do Século estão no palco. Kunz está com a máscara do demônio, sem clique de metrônomo e mais desenvolto. De chapéu e violão entre os ombros, Felipe se posiciona entre as meninas, que usam maquiagem forte e rouba exuberante.

O palco grande se impõe. Felipe solta a voz com desenvoltura ainda incipiente, mas a banda e as meninas são quase perfeitos. O que não está perfeito passa despercebido pelo grande público dada a emoção e a comoção que provocam. Circulo pelo público e posso ver rostos de espanto e admiração com o espetáculo. Ao final de cada música há olhares admirados e palmas entusiasmadas. Mas o público ainda não sabe cantar as músicas. Olhos e ouvidos concentrados.

Quando Cordeiro chama a cantora Iva Rothe ao palco para cantar “Trelelê”, mostra seu forte nas composições. Os Astros do Século ainda são uma banda em formação e Felipe, com dois anos de carreira profissional, se mostra muito acima da média de qualquer performer em estágio de formação. Mas eles já entram com pelo menos 60% do jogo ganho, pela qualidade das canções, pela proposta bacana, pela banda de primeira e pelas vocalistas performáticas, que sempre roubam a cena, a despeito da disputa entre Kunz e Léo.

Um grupo musical de sucesso reúne essas qualidades todas e mais algumas. Mas a média não consegue reunir nem metade em quantidade e qualidade dessas virtudes. Felipe tem uma posição privilegiada e parece saber disso. As 2h da manhã de domingo, ele desce da van no conjunto Império Amazônico, onde mora em Belém, nem deslumbrado nem cansado demais, de bom humor e cônscio de que o trabalho continua no dia seguinte. Como ele mesmo diz essa geração ainda está em formação.

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