Ou o dia em que perdi uma entrevista exclusiva com Vitor Ramil.
“Se eu aprendi algo ao longo dos anos foi dar ao público o que ele quer, senão ele nunca mais vai querer nada de você.” Uma associação de pensamentos me fez lembrar a fala de Bad Blake, personagem de Jeff Bridges no recente filme de Scott Cooper “Crazy Heart”, quando Vitor Ramil tocou “Estrela, Estrela” e “Joquim”, seus maiores sucessos de carreira, no bis do show que fez na última sexta-feira ao lado de Marcos Suzano em Belém.
A não ser pela tendência um tanto folk de seu estilo, marcado pelo violão Martin e pela influência de Bob Dylan, Vitor não se parece muito com Bad Blake. Apesar da sua fala benevolente, o personagem de Bridges trai a confiança de seus fãs. Depois de dizer que vai dar ao público o que ele quer e oferecer sua música mais famosa ao casal na primeira fila, sai do palco e deixa o músico acompanhante cantar e tocar 99,9% da canção, enquanto ele vomita nos fundos do clube de boliche.
Ao contrário de Blake, Vitor é um exemplo de cuidado e respeito a seus fãs. Uma relação de cumplicidade pouco usual em qualquer relação hoje em dia.
Antes do show, no camarim, a dois metros do próprio Vitor, fui anunciado ao produtor dele como um jornalista querendo uma entrevista. Fui tratado com cuidado como o próprio Vitor o fez em todas as vezes que o entrevistei há anos. O produtor me perguntou apenas quanto tempo eu precisaria. Como disse que gostaria de falar sobre o disco novo ele foi consultar o cantor enquanto aguardei pacientemente no corredor dos bastidores do Teatro Margarida Schivasappa.
Vitor pediu que a entrevista acontecesse após o show. Para que ele não falasse demais antes da apresentação, momento em que aquece a voz, e para respeitar Suzano, já que o repertório de Satolep Sambatown não inclui músicas do recente Délibáb.
Ver/ouvir Vitor e Suzano perfeitos em cada nota durante o show comprova que a justificativa é nada mais do que coerente.
Exatamente às 21 horas, como anunciado na imprensa e nos cartazes, Pedrinho Cavalléro fez a abertura do show acompanhado do percussionista Bruno Menezes. Com um set correto e competente, Cavallero arrancou aplausos carinhosos a cada música. Tecnicamente perfeito nas composições e na execução.
Mas o que o público paraense queria mesmo era ver pela primeira vez, depois do lançamento de Satolep Sambatown, Vitor e Marcos Suzano em ação ao vivo. (Os dois tocaram juntos em Belém antes da gravação do disco quando ainda estavam experimentando as novas sonoridades, antes de 2007.)
E, de casa cheia, a dupla não decepcionou os fãs.
Coerente e sem fazer concessões artísticas Vitor e Marcos Suzano desfilaram por canções do disco que gravaram juntos em 2007, além de canções de Tambong (2000) e Longes (2004), incluindo ai regravações de outros discos. Além de “Grama Verde”, “A Ilusão da Casa” e “Não é Céu”, nenhuma outra das 16 canções executadas antes do bis poderia estar presente em uma lista das “mais pedidas” do repertório do cantor.
Mesmo não sendo canções tão conhecidas, um dos presentes no público gritou, quando Vitor perguntou qual era a próxima música: “Neve de Papel!”. E Vitor respondeu em meio em tom de brincadeira: “Como você sabe? Nem a gente sabe o roteiro direito.” Parecia combinado, como um espetáculo de mágica onde o voluntário é na verdade parte do show. Vitor tocou “Neve de Papel” e não era exatamente um pedido atendido.
Pude ver algumas fãs cantando como se estivessem dublando às avessas o cantor, repetindo os versos com movimentos labiais, sem emitir som. Certamente para não atrapalhar a própria execução de Ramil. Quando alguém tentou puxar palmas, elas duraram pouco e tentaram se enquadrar aos compassos sincopados de Suzano. Na verdade, a relação de Vitor com seu público paraense é de cumplicidade.
Menos assediado, mas nem tanto, Suzano teve tempo de posar pra um foto comigo (Charles Alcantara)
Apenas no bis, Vitor tocou Estrela, Estrela e Joquim. No entanto ele ficou devendo “Loucos de Cara”. No camarim, depois do show, onde ele atendeu pacientemente cada fã que o foi cumprimentar, ele justificou: “essa música só é conhecida em Belém.”
Parte do repertório de Tango, seu segundo disco lançado originalmente em 1987, “Loucos de Cara” tocou muito Rádio Cultura FM. E ajudou a tornar o público de Belém um público especial. Comprova a entrevista que fiz com Wellingta Macedo, publicitária e atriz de 30 anos, depois do show:
“Eu lembro até hoje a primeira vez que ouvi o Vitor. Foi dez anos atrás e eu estava sentada na escada da minha casa escutando a Rádio Cultura FM quando tocou Loucos de Cara. Eu nunca havia escutado essa música, mas ouvi com atenção até o fim e depois fiquei esperando a locutora dizer quem era o autor. Assim que ela disse, eu fui para a internet pesquisar e descobri que ele era irmão de Kleiton e Kledir e que tinha um disco maravilhoso chamado A Paixão de V segundo ele mesmo...”
Antes de correr pro camarim, Wellingta, que já tinha dito o suficiente para mim, fez questão de frisar:
“Vitor é um grande artista, que respeita seu público e consegue sobreviver se sua arte sem se vender para a grande industria. Essa industria que consegue destruir com a verdadeira arte. Vitor deveria ser exemplo para outros artistas pelo respeito e carinho que tem pelo seu público e por fazer seu trabalho sem concessões artísticas.”
Eu segui pro camarim atrás da minha exclusiva e como todos os fãs peguei um autógrafo em Délibáb, o único disco que ainda não escutei. Com alguma ajuda, Vitor diz que me reconhece depois de anos e pergunta se eu ainda estava na imprensa. Parece que vou ter uma exclusiva mas já nem sei mais o que perguntar. Mesmo assim espero todos os fãs serem atendidos enquanto converso com amigos da produção do show.
Quando chegava perto das quatro últimas pessoas vi algo que raro em backstages de artistas “famosos”: o produtor do artista se justificando ao produtor local porque ele corria o risco de perder o vôo: “o que você quer que eu faça?! Ele só vai sair daqui depois de atender ao último fã. Eu não posso puxá-lo e sair levando ele para a van.”
Normalmente, os artistas usam a pressão da produção como desculpa para se livrar mais cedo do assédio dos fãs.
Quem levou a pior foi a minha entrevista exclusiva. Antes de ir embora Vitor teve de ouvir a minha queixa: vais ficar me devendo uma entrevista. “Sim, acho que vou, mas anota o meu email que a gente faz depois.”
Set List - Satolep Sambatown - Belém - 20 de agosto de 2010
1 – Livro Aberto
2 – Invento
3 – Viajei
5 – Livros no Quintal
6 - Zero Por Hora
7 – 12 segundos de Obscuridad
8 – Que horas não são
9 – Foi no mês que vem
10 – Astronauta Lírico
11 – O copo e a tempestade
12 – A ilusão da casa
13 – Neve de Papel
14 - Café da Manhã
15 – Não é Céu
16 – Grama Verde
BIS
17 – Estrela, Estrela
18 – Joquim
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Cá estou mordida de inveja de não ter ido nesse show.
Amo o Vitor Ramil pelo mesmo motivo que a Wellingta. Até hoje "vem, canta comigo, pelo planeta, vamos sumir..." ecoa na minha cabeça qd a coisa aperta. E não por acaso, "estrela, estrela" é a música de ninar Clarice desde que ela tava na minha barriga.
Só um adendo, o nome do disco de 87 é "A Paixão de V Segundo Ele Próprio".
No mais a matéria é de fã pra fãs né, dandos a nós o que queremos...
Bjin
Postar um comentário